24.6.05

Carta a um pai

Querido papai,


Eu sei, Papaizinho. O senhor fez tantos planos... E me mandou aqui para imensidão do Rio de Janeiro. Para uma das melhores faculdades. Mas, não se preocupe, estou aprendendo bastante...

Ontem eu conheci uma moça na praia de Copacabana. Ela estava contando do árduo trabalho dela. Como fica na labuta todos os dias. Trabalha até altas horas. E ganha muito bem... Realmente os salários aqui são melhores...

Fiquei também tentando descobrir sobre os doces que nos dão nas festas. São todos muito gentis... A boca vai se desfazendo, uma sensação dormente, mas não se preocupe, Papaizinho, estou aprendendo bastante...

Eu sei, eu não fumava. Mas aqui você encontra cigarros das mais variadas marcas e outros, meio artesanais; muito interessante. Mas aprendi que não devo passar a língua muito úmida...

E tenho conhecido muitas pessoas. Aprendido línguas diferentes... Estava ontem perguntando como se descobre um Homem numa boate GLST. Cheia de siglas e gírias esta cidade, meu Papaizinho... E como saber que um cara, numa festa, querendo te beijar, é bi ou não??? Tantas dúvidas nesta cidade... Mas estou aprendendo...

É muita informação. Conheci muitas bebidas diferentes. Provei absinto cantando Moulin Rouge... Papaizinho, você conhece este filme: Moulin Rouge? Se você conhece, devo confessar que não vi borboletas, ou fadinhas, mas creio que eu vá descobrir, aqui no Rio, se existem ou não...

Papaizinho, aqui as pessoas sabem tanto... Elas assistem a filmes bem liberados. Dá para ver a vida em ângulos bem diferentes... Ah, meu curso? Tem me ajudado bastante. Outro dia, ameaçaram nos prender numa boate, mas eu citei algumas leis e eles nos liberaram sem problemas... Aqui também ocorrem “injustiças”, mas agora eu estou aprendendo o que é “lei” e o que é fora da “lei”.

É muita informação, Papaizinho, que não sei por onde começar...cada dia uma coisa nova... Preciso que o senhor me dê uma luz, ou será que devo dar à luz??? Porque acho que estou grávida, Papaizinho. Você sempre quis um netinho, não?

O pai é/será meu ex-namorado; um traste carioca, ligeiramente gigolô. Ele me trocou por uma mulher mais experiente do Rio. E mais rica... Sustenta ele e tudo... Talvez ela ajude a sustentar seu netinho... Não, eu não sei ainda, mas, aqui, já sei, existem fáceis exames de farmácia...

Porém, não se preocupe. Crianças são uma verdadeira bênção; tenho inclusive um “amigo” de 16 anos... “saímos” bastante juntos e ele me ensinou muita coisa. E ele é meu primeiro amigo gay; apesar de começar a achar que ele é bi...

Em todo caso, vou passar a ter menos despesas. Estou dividindo apartamento com uma amiga e ela me disse que, se eu estiver grávida, vai me ajudar a cuidar da criança... As amizades aqui no Rio são bem mais íntimas, dá para aprender muito sobre relacionamentos humanos...

Estou indo de um extremo a outro aqui nesta cidade maravilhosa... Não creio que fosse viver isso tudo no Mato Grosso... Papaizinho, você tinha razão ao dizer que eu iria aprender muito mais aqui... Não creio que eu consiga voltar a morar aí, meu mundo se abriu todo... Mas, não se preocupe, estou bem...

Ah, minha amiga de Copacabana me ofereceu um emprego e tudo... Acho que logo vou poder me sustentar sozinha aqui... Mas, não se preocupe... Estou morrendo de saudades e logo enviarei notícias.

Sua criança,



Pamela

18.6.05

Viagem no tempo

Com a mochila nas costas, simbolicamente, as lembranças pareciam mais pesadas... As horas passaram arrastadas, como se um processo estivesse se estabelecendo. Ver a vida com os olhos de ontem...

Num instante, as mesmas ruas, os mesmos medos e um torrencial aguaceiro de planos pra enlouquecer. Aqueles que você não chegou a realizar, mas foram tão amados, tão idealizados...

O cachorro late, abana o rabo, contente, como se um mundo de outras vivências não tivesse atravessado suas simples existências. Como se meses e meses morressem no instante do reencontro. Ali, aqueles olhinhos azuis brilhando, pedindo carinho, de barriga para cima, na simplicidade que os humanos parecem nunca alcançar.

Andando e lá está o cão. Atrás do personagem. Como sombra de passado e de afeto. Um banho e ele a esperar, como quem, inocente, ignorou anos e anos, algo que, agora, nada mais eram que olhares se cruzando. Ali. Parado. À porta. Humilde.

Fuma um cigarro, olhinhos azuis como companhia. Rodeando; talvez buscando o tempo perdido. E o cachorro espirra, pede comida, olha a corrente. Ah, os passeios...

E por onde vai, lá está o melhor amigo do homem, como o passado, que insiste em chamar, em brilhar por meio de maravilhosos momentos. Cada canto, uma recordação, quase viva. Independente.

Mas é só o ontem. O personagem abaixa os olhos e sofre, de leve, sem responder as perguntas de continuidade. Sem querer pensar. E que seja. Uma feliz viagem no tempo de você mesmo...

12.6.05

Apenas mais uma de amor...

[ Desculpem o meu sumiço, mas, além de viajar, estou tendo problemas de acesso à rede... Este texto vai em homenagem a todos os apaixonados. Homens, mulheres, senhores e senhoras, crianças... Aqueles que, num dia simbólico como hoje, não podem estar ao lado de quem amam, seja porque não está mais vivo, seja porque o amado/amada se encontra em outro estado, trabalhando em outro país, ou porque foi preterido em nome de um outro amor. Pior ainda, porque não ama assim, descontrolamente, nenhum ser. Ode ao amor, meus caros, mas todos os dias do ano!!! Pela vida, pelo próximo, pela Natureza...]



Horizonte


Sabe aquela foto que eu não coloquei no trabalho? Este amor que não posso ostentar aos quatros cantos. Este sentimento que preciso explodir, como etiqueta deste sorriso pueril; sorriso-pensamento em você.

Todos os dias eu acordo você. No despertar, vem o sorriso, o nome é repetido. Às vezes em voz alta. Às vezes num sussurro, tímido, no desespero de ter e não ter. Todo o tempo.

O café da manhã que você adoraria. Sei que você iria gostar deste livro que estou lendo. E lá está você, ‘discutindo’ o livro comigo. Sei que iria amar esta música, aumento o volume.

O restaurante que você pediria massa. Muito parmesão. Cinema? O filme cujo ator você conhece. E o diretor, o nome do filme em português, inglês, quiçá em italiano. Exagero? Este sou eu...

Uma livraria, um sebo. Milhares de nós. Novos, usados, cheios de histórias, de autores, de vidas, memórias e sonhos. Tantos sonhos, jogados em prateleiras. Jogados em letras. Vidas sorrateiras...

É você numa paisagem linda. O lago, azul, brilhando. Como seus olhos. Um pôr-do-sol para ver enrolado, misturado aos seus braços. A foto que o seu olhar poderia ter visto. Saudade que nenhuma palavra mensura.

Farras gastronômicas. Foundue de queijo. E chocolate. O vinho que te deixaria mais sorridente, livre, falando alto... vejo o sorriso na minha direção num beijo que você roubaria, sem nenhum esforço...

Outro filme. Outras frases que você diria. Você. Você. No texto da vida, somos nós. Nossos nomes. Nosso desejo. Nossas projeções. E sou eu. Sonhando acordado.

4.6.05

Monstro de Olhos Verdes...

Dom Casmurro moderno


Ela estava para todo lado tentando descobrir irregularidades naquele hospital público. O jornal queria a matéria para o dia seguinte, o “furo” do final de semana. Uma verdadeira multidão agonizava, esperando atendimento. Onde ia, havia pessoas querendo fazer denúncias.

Estava entrevistando um paciente que havia esperado 4 horas para ser atendido, quando um médico se aproximou, bastante assustado, dizendo que precisava falar com ela. Entregou um papelzinho, pequenino, com o nome dele, disse que queria fazer umas denúncias em off e saiu apressado.

No meio da entrevista, sem saber o que fazer, ela colocou o papelzinho no soutien e continuou sua “corrida” por descobertas no hospital. Depois foi logo para redação; sempre correndo, escreveu a matéria e teve de sair apressada para encontrar o namorado, que estaria indo visitar a família em outra região do Brasil.

A semana tinha sido uma confusão, os dois nem tinham se visto. Ele a encontrou no motel e, quando ela abriu a porta, ele já veio, cheio de saudades. O clima começou a esquentar. A saudade apertava. Ele começou a tirar a camisa dela e voou o papelzinho.

O bilhete caiu na cama, assim, virado para cima. Rodrigo. Número tal. O namorado ficou louco. Começou a se alterar, ficar vermelho. Ela tentava explicar, inutilmente, que era um médico querendo fazer uma declaração sobre irregularidades num hospital, no qual havia feito uma matéria. Tinha estado “enrolada”, sem bolsa, com gravador, papel, caneta, sem bolso... Guardou ali e esqueceu...

Ele foi ficando mais nervoso. Ela perguntava se ele estava desconfiando dela. Ele dizia que não, mas que ela não tinha malícia. É claro que o médico estava dando em cima dela. Aproveitando-se da situação...

Ele ficava cada vez mais nervoso. Ela resolveu sair e ir para o banheiro, para ver se ele se acalmava. Ele começou a esmurrar a porta e gritar “saia daí agora... quero ouvir você falar com este aproveitador”.

Sem saber o que fazer, também nervosa, ela saiu. Tentou argumentar que era muito tarde, duas da matina. Ele insistiu. Sem saber o que fazer, ela pegou o telefone e ligou para o tal Doutor Rodrigo.

“Oi, que bom que você ligou”. O namorado ficou quase pendurado no ouvido dela para ouvir o que o ‘aproveitador’ estava falando... A jornalista, sem saber muito o que dizer, enrolou o médico, para ele continuar falando.

“Desculpe ter entregue tão rápido o papel para você no hospital, mas não queria que ninguém visse. Fico feliz que você tenha ligado, existem várias coisas absurdas acontecendo lá e preciso contar”...

Como um balão perdendo o gás, o namorado, então, caiu, sentado na cama. Cara de criança que foi flagrada roubando um doce..