Às vezes, a gente se esquece. De quê? Pode ser um esquecimento simples: a chave do carro, a senha do banco, o pagamento da fatura. Agravantes, porém, para qualquer um desses quadros, são os notórios blecautes da alma. O apagar de recordações, a extinção de momentos, a perda de subjetividade.
É a tristeza de não saber mais o porquê de uma cidade ser o porto de alegrias, de não valorizar o refúgio de amigos; ainda pior, de não se reconhecer em nenhuma nuance, nenhuma memória, nenhum resquício de "eu". Não por ódio, não por revolta, não por dor. Apenas uma ausência de vida, um apagar de luzes de (in)consciência.
Como uma "anestesia amnésica", uma perda gradual de identidade, no turbilhão de mudanças, amores e vampiros sociais. É como esquecer de lembrar. De ser, somente ser. De viver, sendo. Sendo somente assim a vida: esse esquecimento, no coletivo, é o cotidiano.
A pílula mágica para o sonho é a natureza. Até mesmo o que há dentro de nós, que nos move para apreciação de cada segundo. Daqueles mais simples, nos quais seu amigo te puxa e dá um abraço. Sua amiga estende o copo, brindando sua existência. Aquele companheiro de colégio virou o pai ou a mãe de uma criança, linda, inocente, sem dente, sem malícia, a sorrir aos seus pés.
É o feitiço da vida que nos arrasta para a magia do agora. Esse mesmo, sim, onde você fala besteira e ri, sem motivos, sem parar. Onde se flagra, dançando, ao som jamais ouvido, de uma cultura tão desconhecida, lembrada no instante único, até então, não existente. Aí, nesse instante tão momentâneo, tão fugaz, tão banal, tão simples, tão simbólico para a memória, está o elo para nossas personalidades, nossas existências, está o resgate da memória anulada na guerra do cotidano. Como um dos meus personagens pensou, aí estão as velhas esquinas, cheias de histórias e pessoas, com os bons e alimentadores resquícios de humanidade. Uma delícia.
Com o que sonha a simplicidade desse personagem? Com o nascer do sol ao lado de amigos. Estar cercado de animais conhecidos. Beber cerveja gelada ouvindo chorinho, de madrugada, sem susto, sem juízo. Cantar parabéns, comer bolo, estourar bola e catar quinquilharias, como crianças, as mais sábias, inocentes e felizes. Fofocar com amigas, em histórias de anos e anos, sendo reescritas em mais um agora. Receber telefonemas, horas cheias de risos e lembranças, planos e esperança, sonhos e até auto-perdões.
Estrangeiro nele, esse personagem, que ainda assim é mais do que local no Porto Seguro desse agora reencontrado, tão único. Abre os armários, deixa ventilar a alma, joga fora o velho e abre espaço à vida. Sem nunca deixar de guardar o que é único, mesmo esquecido no canto da memória-coração-praga do cotidiano.
O personagem canta para o Rio, que é puro êxtase, uma linda "droga" de euforia, de torpor, de loucura, amor e eternidade. Nessa cidade maravilhosa, nunca é tarde e ele é a criança feliz, a Alice que sonha seis coisas impossíveis antes do café....
Nenhum comentário:
Postar um comentário