27.5.05

Inocência

Inocência na espera por um momento muito desejado.
Sentada no sofá. Perninhas cruzadas. Cachorro nos braços.
Uma saudade que morde e uma novidade que late.
Solta o cachorro, Miúxo, e ambos se aproximam, correndo.
O abraço apertado. A fala disparada e a voz alta.
Histórias sobre o cachorro de dois meses por uma criança de cinco.
Explosão de fatos & fatos & fatos.
E o cachorro late, morde, brinca e também implora atenção.
Carrinhos, bonecos, bandeira da seleção, todos os novos adereços.
O brinquedo de letras e a surpresa da leitura...
A inocência que lê. Soletra. Que repete o alfabeto.
Reconhece os números e o mundo da escrita.
A inocência que come, enganada, numa disputa:
quem terminará primeiro? Madrinha ou afilhado?
O encantamento da televisão e o conhecimento infantil.
Personagens, histórias, tramas...
O passeio e a entrada no ônibus:
“Dinda, por que você não pode entrar comigo pela frente?”.
Inocência que ouve, mantém-se atenta ao mundo.
E surpreende fazendo a linguagem dos sinais.
Compra balas de gude. Chicletes. E quer bala, kinder ovo...
Alguém que pode oferecer os caprichos que não pode ter sempre.
E esse alguém o faz com muito prazer...
Espanto novamente: a vivacidade da criança reconhecendo os caminhos.
Jogos. Brincadeiras. Corridas. Diálogos.
Diálogos... A criança entende e sabe se fazer entender.
Brinca com os animais e até os conta...
Lê as placas, fala quais são os ônibus e para onde...
Pede, candidamente, para abrir o difícil botão da calça...
Estava apertado para ir ao banheiro?!
Uma distração e já foi encomendar o sanduíche pretendido.
Vai pagar sozinho e se espanta porque não sobrou nada da nota...
Volta para casa e, banho, claro!
Afilhado, contente. Madrinha, abobada.
Despedida. Por quê? Sempre...
Parado na porta, cabelos lisos molhados, escorrendo sobre o rosto:
“tchau, Dinda”.
Tchau, Pipe. Fique aí, criança.
Mantenha o sorriso no rosto e prenda a felicidade na alma.
Brinque. Aprenda. Viva.
Mas jamais, jamais se deixe contaminar pela crueldade do mundo.
Fique assim, “Inocência”.

20.5.05

Personagem perdido

ESTOU PEDINDO SOCORRO COM O OLHAR

com cada parte de mim.

PEÇO QUE ME VEJAM

como realmente sou.

E EU NÃO SOU O QUE SOU,

venho sendo,

OU VENHO TENTANDO SER...

PEÇO QUE ME OUÇAM

nem que seja pra falar de (en) terra (r).

PEÇO QUE ME VEJAM

nem que seja a visão de uma neblina.

PEÇO QUE AS COISAS NÃO SEJAM

e acabou.

PEÇO QUE NADA SE PEÇA

peço a pureza que o padrão nos rouba.

PEÇO A CERTEZA DO AMANHÃ

peço a loucura dos que dizem a verdade.

PEÇO A ESPERANÇA DE QUEM REALMENTE VIVE

peço o brilho dos que amam...amam sem condições.

TALVEZ EU ESTEJA PEDINDO DEMAIS.

Na verdade, estou pedindo o que sou...

E PRECISO SER...

preciso ser o não ser...

PRECISO DE MIM!!!

13.5.05

A menina do ônibus

Para ela, ele é Deus.
Ela o vê como homem, modelo de beleza
Exemplo de astúcia.
As palavras são como ensinamentos.
Que vêm leves, risonhos, felizes.
Ela o olha como algo a ser, espelhar-se.
Fala. Fala. Como criança.
Bem mais do que de fato é.
A inocência de ser espontâneo,
até bobo para chamar atenção.
Brinca. Ri. Como quem vive um momento único.
Como, na verdade, todos são.
Fala. Fala. Ama como criança.
De olhos fechados e peito aberto.
Como, na verdade, todos deveriam ser.
Ela fala. Fala. Ele observa e a envolve com carinho,
apoiando-lhe a cabeça nos braços,
beijando a face e lhe acariciando o braço.
Em contrapartida, admira.
Talvez resgatando nela um pouco do amor
incondicional perdido no “crescer”.

9.5.05

Tudo pela Literatura...

Confesso não ter muita paciência com ‘correntes’, mas tudo pela Literatura... Seguindo uma corrente, agora proposta pela Leila, aqui vou eu...

Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?

Caramba, nunca pensei nisso...em ser um livro... Mas, se pensarmos bem, nós somos todos livros inéditos, cheios de coisas para ser... Que responsabilidade?! Será que não daria para ser uma coletânea? Vou pensar mais a respeito...


Já alguma vez ficaste apanhadinho(a) por um personagem de ficção?

Somos todos personagens, acho que vem a calhar neste blog... Não creio, mas eu me lembro vagamente de, bem menina, ficar louca pelo personagem do livro ‘Se houver amanhã', Sidney Sheldon. Não me crucifiquem, por favor...

Qual foi o último livro que compraste?

Ih, eu comprei um monte em Buenos Aires. Ando num ardor pelo idioma espanhol que só minhas compulsões poderão explicar... De todos, meus ‘queridinhos’ são dois, o que eu estou lendo e o “Memoria de mis putas tristes”, Gabriel García Marquez.


Qual o último livro que leste?

O último livro que li foi de trabalho, mas, antes dele, lembro de ter relido “Laços de família” ( Clarice Lispector) e “Amor, curiosidad, prozac y dudas” ( Lucía Etxebarría).

Que livros estás a ler?

Estou bem enrolada, como sempre, mas estou tentando ler “Cartas desde el infierno”, Ramón Sampedro. Para quem não sabe, o livro do filme “Mar Adentro”.

Que livros(5) levarias para uma ilha deserta?

Olha, escolher é realmente um problema... Mas certamente levaria livros do Manuel Bandeira, García Marquez, Saramago, Machado de Assis, Cecília Meireles, Edgar Allan Poe...

A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e por quê?

A maioria dos meus amigos não tem blog, mas vou passar para alguns, incluindo os amigos virtuais que venho fazendo.

3.5.05

Escova progressiva?!

Caminhando na forte chuva. Quase 23:00hs.
- Ei, ei... Posso pegar uma carona?
- Oi?
- No guarda-chuva...
- Ah, sim, claro...
- É que eu acabei de fazer escova progressiva e não pode molhar, sabe?
- Não, não sei...
- Então... Eu não trouxe guarda-chuva. Não queria “morrer” em cem reais...
Ele, calado. Ela, continua.
- E eu queria mudar o visual porque meu cabelo estava HORRÍVEL. A gente economiza para poder gastar com estas coisas... Não posso estragar o cabelo então...
- Sabe que se eu contar que dei “carona” a alguém, no guarda-chuva, para manter a escova progressiva, capaz de ninguém acreditar?!
- Por quê?
- Não sou exatamente contra, mas também não recomendo este tipo de coisa. Acho que não tem necessidade...
- É, mesmo... Deviam avisar a gente como é... Agora não posso molhar, tem de valer a pena! Queimam a cabeça com formol, fica um cheiro terrível... Sente só... – diz, esticando os cabelos.
Enquanto fala, a desconhecida, já agarrada ao braço do personagem, segurando o guarda-chuva junto à mão dele, vai aproximando o corpo.
Mais da metade do corpo molhado, encabulado, ele joga fora o cigarro apagado e vai mais para chuva. E ela continua perguntando onde ele vai e falando...
-Ih, eu moro tão longe... Vou demorar a chegar em casa. Pior que, ao chegar lá, ainda vou ter de andar. Será que ainda vai estar chovendo? Ai, não sei o que seria de mim sem você...
Ele, calado, encabulado e incrédulo.
Ela...
- Escute, qual o seu ponto de ônibus?
- Aquele ali, o terceiro.
Ele avista o próprio ônibus, parado no ponto, suspira, mas leva, mesmo assim, a garota ao ponto dela.
- Pronto, é aqui, não?
- Sim.
- Ok, então... tchau e boa sorte.
- Espera...
- O que foi?
- Toma...
Ele olha o cartão com o número de telefone anotado e retorna o rosto, ainda mais envergonhado, para ela, que dá uma “piscadinha”. Sem falar nada, corre para pegar o ônibus e fica, rindo, sozinho, pensando: “escova progressiva...tsc...tsc...tsc...”.