Viagem cansativa. Indo e vindo ao banheiro, na carona das cervejas, na praia, do almoço... Entre um cochilo e outro, a parada principal não chegava. Finalmente, um sanduba e o esticar das pernas. Logo estaria no Rio de Janeiro para outra viagem até a Barra da Tijuca.
Na rodoviária, já perfeitamente acordada, a personagem coloca a mochila nas costas e vai para o ponto final. É tarde e o ônibus está vazio. Senta perto da janela e deixa a mala no banco ao lado. Lá pelas tantas, na praça Saens Peña, mesmo com um ônibus vazio, uma senhora senta ao lado, toda desajeitada, com as pernas para fora, quase por cima da mala dela. Com preguiça de argumentar que vários lugares estavam vazios no ônibus e sem querer deixar a senhora desconfortável, pede para trocar de lugar. A senhora fica na janela e ela, com as pernas para fora, ainda meio cansada da viagem.
A ideia era ficar quieta, ao longo do caminho. Entretanto, ao sugerir que a senhorinha fosse para janela, virou bate-papo. A senhorinha, magra, alta, calça bem justa, salto alto, blusa de oncinha, diz que acabou de pegar o Rio Card idoso. Sacode o cartão tão freneticamente que a personagem sugere que ela guarde, para não perdê-lo. O bafo de cachaça da senhora, que declara ter 70 anos, quase a derruba.
Senhorinha continua falando, enrolado, tinha ido a uma festa, na Tijuca, mas aí, ao ir embora, encontrou esse senhor, ele insistiu em pagar mais uma bebida, queria que ela ficasse lá, estava preocupada com a hora. O tal homem era dono de uma loja, tentou levá-la para o segundo andar. Estava interessado nela e queria namorar. "Mas eu não quero namorar ele não". Contou como o enganou, indo ao ponto e pegando rapidamente o ônibus. "Este é o ônibus tal, né". Era. E ela ainda trabalhava, disse que iria acordar cedo para trabalhar no dia seguinte. Falou, falou, falou, por uns 20 minutos. Depois cansou e ficou olhando a rua, balbuciando coisas incompreensíveis e rindo. Cochilou.
Lá pelas tantas, acordou, olhou para outra personagem e perguntou: "este ônibus vai para onde?". Para Barra. "ah, meu Deus...". Resmungou mais algumas coisas incompreensíveis e perguntou de novo. Aí foi a explicação de que o ônibus iria para Barra e a pergunta sobre onde ela queria ir, dizendo que estavam no Alto da Boa Vista. "Alto da Boa Vista? Ai, que bom, estava olhando e não estava vendo nada, esqueci os meus óculos".
A senhora ri mais um pouco e pede: "pode me avisar quando for o Bingo 10?". A personagem pergunta onde é. "Bingo 10, ali, na descida". A outra não fazia ideia. Outra pergunta e a senhorinha pede: "é só me avisar". Preocupada, ai, meu Deus, como a personagem saberia dizer onde a senhora deveria saltar.... Outra pergunta e ela diz, depois da Gávea, de Furnas.
Personagem prestando atenção, enquanto ela ri, feliz: "ai, a Floresta da Tijuca, agora sim, estou no caminho certo". "Este ônibus vai para onde mesmo?". Personagem repete e confirma onde ela tem de descer, mas a senhora reconhece antes e levanta. Personagem sai do caminho para ela passar, mas ela não faz sinal para descer, vai correndo para o motorista, gritando, "Bingo 10, motorista, vou saltar aí, Bingo 10, por favor, por favor", tropeçando no salto, rindo e arrastando as bolsas de supermercado. Antes de descer, dá um tapinha nas costas da personagem e sai cantarolando...