28.8.09

Paixão....

Quase sempre de braços abertos e sorriso largo, como em um mergulho para a vida... Cheia de expectativas, é movida à paixão, à novidade, a prazeres; por vezes, efêmeros, por vezes eternos na memória. Do nada, sem explicações, é como uma criança com um novo brinquedo. Assim aprende os segredos de uma nova profissão, de um novo trabalho, de um novo amor, de uma nova cultura.

Vai mudando, vai vivendo, vai achando o que, de comum, há no mundo. Vai aprendendo, vai sofrendo com diferenças, vai apanhando por confiar, vai seguindo, feliz, a trilha de quem nunca está no mesmo lugar, nem mesmo parado.

Com a memória maleável, para trazer as doces lembranças e perdoar as agruras do mundo. Dolorida de aprendizado, muitas vezes. Com fases de hibernação, de transformação, ou incorporação. Momentos necessários para absorção de tantos outros eus, tantas mudanças, tantos referenciais perdidos.....

Ao olhar para trás, só agradece. Mesmo que perca os caminhos, que apague os passos, que veja o mundo abrir a sua frente, desesperador convite em um leque de oportunidades....a serem escolhidas....Corpo e alma mutável, na cadência errante de existência inquieta.

Ela também se redescobre, sóbria. Aprecia a própria timidez. Quase menina, sem experiência, voz baixa que, sem perceber, às vezes solta uma piada. Menina enrolada, trocando palavras, mediante pessoas desconhecidas. Mas abaixa os olhos fugidios e sorri, de qualquer maneira, abraçando ao mundo, esse aterrorizante desconhecido em pessoas.....

Pessoas de quem depende. Metafórica e literalmente. Um dia para dizer que, também, é necessário estender a mão e simplesmente pedir ajuda. Ser humilde para pedir, para "perturbar" e até para aceitar o "não", pois ninguém sabe o prejuízo da alma livre, ao depender; mesmo assim, outros não sendo obrigados a ajudar.

De peito aberto, ama o novo, ama o desconhecido, ama até os cabelos claros, os novos olhos e ama a imaginação, ama a experiência, ama o depender de um novo alguém, ama o respirar imaginado, o gosto compartilhado, ama o mundo de novidades, ama o amor, ama, até mesmo, o efêmero estar apaixonado. É a vida, todos os dias. O ar que se respira em novidade. Um outro alguém em você. Quando muda, ou quando se redescobre em alguém. Com alguém. Para alguém. E, enfim, sendo novo para outrem.

22.8.09

Doente de rotina: já vem um novo amor....

Piores que qualquer restrição física são os arreios na alma. Quando limitamos nossa existência a uma simples verdade, a um horário forjado e reforçado na história da industrialização, a estruturas políticas e sociais que ajudam a organizar nosso bagunçado instinto.

Todos os dias, nossas vidas são invadidas por doentes de cotidiano que brigam pela última vaga no estacionamento, que xingam no sinal, que maximizam as nêuras dos atos repetidos e que explodem em idiossincrasias políticas, de vaidade.

Oh, no, Lord...
Dê força para os que se levantam, no motim de sentimentos, para proferir palavras rudes e agressivas, sustentar suas imagens, com as quais se preocupam tanto, parecem defender a própria vida.... Para que reflitam...

Os anos passam, as rugas chegam, o corpo falha, as cidades mudam; as experiências explodem. Com sorte. Mais sorte ainda os que têm a habilidade e o privilégio de manter a memória viva: os preciosos amigos. Mas há os que arrastam a personalidade, incapazes de mudar a vírgula de lugar, porque "assim tem de ser", porque "assim eu disse que seria", porque "assim é a minha vida". Não que se deva condenar, porém, difícil compreender quem se acostuma com o ruim, quem se acomoda no mais ou menos, quem se resigna a uma existência mais submissa, quase nula.

Cada céu é um horizonte. Cada pôr-do-sol é uma mensagem de um milagre. Da vida, tudo tão lindo que nos cerca, da Natureza, pronta para evoluir, para vencer as situações desafiadoras, para ultrapassar qualquer limite. Inexplicável, mutável, admirável. Ao olhar as ondas do mar, não há cotidiano, mesmo que sejam ondas.... Há volumes, cores, velocidades, tudo diferente, em um conjunto e contexto diferente. A Natureza não se permite estagnação. Há destruição, terremoto, mas há muita energia e as placas tectônicas se acomodam... Chove sem parar e que linda a atmosfera, que “voluptuosos” os rios, os mares, as nascentes, quase de pura vida...

Há tanta poesia ao redor que o cotidiano não deveria ser tão maçante, destruidor. Em frente a nossas máquinas, com desktops de realidade, nos mundos paralelos que desculpam nossa existência de regras sem sentido, perdemos a noção.... O todo é para sustentar algo que não se sabe, não se pensa, nem se quer ou não; só é, só existe. Os intuitos se perdem em caminhos tortuosos, em labirintos que, novamente, auto-justificam todas as loucas lógicas que se cruzam, que se batem, que se ignoram, em verdades de culturas diferentes.

Não, não. Esse personagem é quase, mas não é anarquista. Ele admira a beleza do mesmo amor, ele entende a facilidade da estrutura, contudo, menospreza o automático, a perda dos próprios propósitos. Insiste que, no erro, na mudança, no diferente, é que os seres são confrontados com mil questionamentos para mudar, para melhorar, para exercer a liberdade de escolher. Se é tudo assim mesmo, não há escolha, não há vida, há repetição, há acomodação. Esse personagem sabe admirar a escolha já feita, a felicidade já acomodada, mas que, sempre, sempre, pode ser mudada, aperfeiçoada, salvo em criaturas aprisionadas em si mesmas, sem alma, sem personalidade, sem “existência real”, sem um amor que os mova na direção dos ideais, naquele instante de gozo que vale a vida inteira!

Romântico demais talvez. Crédulo exagerado talvez. Antes o virtuosismo otimista que o rancoroso eu, ego inflado e inflamado em escancarado egoísmo. Sem religião, cheio de amor, o personagem ainda pede perdão, "eles não sabem o que fazem...”. Nem pelo que fazem, tampouco como fazer.... Oh, humanidade perdida em conceitos, preconceitos e vaidades.... Vergonha as nossas, personagens, fazer o quê, simples e boçais humanos.....

17.8.09

Adeus

Um rosto que deforma a memória.
Envelhecido. Doído de passado.

Um rosto que engana.
Esconde o passado de amor...

Um gosto de "extremismo".
Um quê de resolução.

Um gosto de punição.
Perdendo, nós e nós....

Uma visão de passado.
Um resquíco de dor.

Uma visão de futuro.
Uma ausência total.

Uma palavra de basta.
Mais uma fuga.

Uma palavra não proferida.
Mais um adeus.

11.8.09

Memória...

Memória; entre os mistérios inerentes ao corpo humano, algo fascinante. Uma música, uma simples música pode te remeter a outro país, quase como uma viagem ao passado. Uma música pode trazer o corpo de outro alguém, pode trazer o cheiro, o gosto, quase a experiência de reviver um amor.

Como em cadeia, um elo de emoções, as memórias flutuam, sem convite, sem ordem lógica, trazendo, de volta à vida, uma série de acontecimentos passados que a pessoa nem julgava lembrar. Um almoço, uma festa, um delicado momento a dois perdido no tempo.

Serão todas as memórias "eufemistas"? Vêm momentos felizes, momentos únicos, momentos prontos para serem lembrados. Não importam todos os estranhos contextos nos quais eles estiveram inseridos, a memória apaga e traz aquela peça do quebra-cabeça com a foto mais bonita, mais intrigante.

Interessante que, ao olhar para trás, seja possível lembrar um episódio adolescente, de um grupo de amigos, pulando a cerca, literalmente, para assistir a um show. E de quem era o show? Ninguém faz a menor ideia. Exemplo clássico de como opera a memória. Perfunctórias fases da vida explodem significado, quando aliadas a uma pessoa, a um lugar, a uma personalidade específica.

Difícil dizer quais meandros da realidade ficam impressos por meio dessa temperamental escritora-memória, que arranca algumas páginas, liberando espaço para uma existência feliz, por vezes, repleta dos mesmos erros atirados ao vento.

É como uma chuva fina, insistente, que acompanha, que transborda emoções, esfria o corpo e aquece a alma, às vezes mais forte, muitas vezes sutil, num fenônemo que pode ser belo, quase poético, quando conjugado com nuvens e idílicos cenários imaginados, ou pode ser uma torrencial tempestade de questionamentos e reconstrução pessoal.

Pode ser a chuva fina na varanda de um hotel, café da manhã romântico esperando, pode ser a viagem turística, o atoleiro na lama, pode ser a corrida no meio da tempestade, cantando aos berros qualquer música simbólica, ou mesmo a reflexão, em frente ao computador, com os olhos voando pela janela, na carona de um espírito livre que já voou e se perdeu muito. Ainda bem...

"Não tenho mais nada senão meu passado. Mas ele não é mais nem felicidade nem orgulho: é um enigma, uma angústia. Queria arrancar sua verdade. Mas pode-se fiar na própria memória? Eu esqueci muito, e parece que às vezes, mesmo, eu reformo os fatos".*

A mulher desiludida, Simone de Beauvoir*

6.8.09

(Don't) Get loose

O paciente chega. Já está cansado de médicos, de curativos, de letargia existencial. Quer, claro, o que não pode ter: rodadas de chopp, trilhas no meio de paradisíacos locais desconhecidos do resto do mundo, dança na chuva, baderna recheada de amigos, noites de salsa às sextas-feiras, quadras de tênis e bolas indo para lugar nenhum, sambinha gostoso de sábado, chorinho ao pé do ouvido, noitadas na Lapa... Paciência não é o seu nome!

Lê um livro, refúgio e acalento para uma existência sem prazeres e êxtases de movimento. Tenta se desligar dos papos sobre doença, sobre curativos, tudo que quer esquecer. Saramago o distrai. Nem ouve mais a torrencial chuva que cai sobre o lindo Rio de Janeiro. Sua vez, finalmente.

O médico, com um largo sorrigo, pede para ele deitar. O irmão, parceiro, acompanha. Já consegue deitar sozinho. Nervoso, talvez, não pára de falar.

O médico faz perguntas, olha o curativo, faz observações que o paciente vai, provavelmente, esquecer. Devia andar com um bloco, anotando tudo que as pessoas falam, mal da profissão....

Antes de tirar os pontos, o médico abaixa para abrir o armário. De repente, o paciente só sente a tesoura voando na sua perna. "Bom para distrair", pensa o personagem-paciente, não muito afeito a procedimentos ligados ao juramento de Hipócrates, pelo menos fora da teoria....

O médico fala, fala e ele também, responde, provavelmente falando sobre coisas que nada tem a ver com a situação: o médico deve achar que ele é louco. "Isso mesmo, continua falando, assim não presto atenção no que você está fazendo", pede o paciente. "Mas tirar os pontos não dói, dá só um nervoso", retruca o médico.

Ele olha o teto, deu para isso agora.... "Toda o dia a insônia me convence que o céu faz tudo ficar infinito"...."Agora vamos embora, estamos, meu bem, por um triz para o dia nascer feliz, o mundo acordar e a gente dormir".....

É, não doeu mesmo. Ainda olhando o teto, deitado, conversa. Vai se mudar e o médico, provavelmente apavorado, achando que o paciente louco vai fazer a mudança ele mesmo. Não, não, o irmão vai junto. "Onde andará aquele número de mudança", pensa ele. "12a casa em três anos e meio, sosseguei um pouco", brinca consigo mesmo.

"Me dê de presente o teu bis, pro dia nascer feliz, o mundo inteiro acordar e a gente dormir"..... Num rompante, distraído, pensando nos eventos do trabalho, nos amigos, levanta-se rapidamente e sente o incômodo. Quase se esquece o porquê de estar ali, o que acabou de fazer. "É estranho ficar conversando deitado", afirma.

Posso, não posso, posso, não posso, pergunta o paciente, repetindo as respostas do médico mentalmente. Ele se sente o garotinho aprendendo a ver horas: "mas por que não posso olhar no relógio digital?"..... Não pode fazer exercício, nada de impacto, não pode, não pode.... Verdade que ele nunca gostou da palavra não...

Mas ele já não é um garotinho, "comporte-se como um adulto", pensa ele, "pare de choramingar porque não pode fazer trilha, dançar e encher a cara com os amigos em loucas festas que terminam com o nascer do sol", radicaliza consigo mesmo...

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No carro, o irmão brinca: "olha, se eu não conhecesse o médico, se a cirurgia não tivesse feita, eu iria ficar preocupado. Ele virou para o lado, tacou a cabeça na luz. Abaixou para abrir o armário e tacou a cabeça nele. Quando subiu, deixou voar a tesoura. Quase achei que ele não estava enxergando! Se fosse antes da cirurgia, era capaz de te tirar dali"..... Família de gozadores, mas que, em seguida, elogiam o profissionalismo e detalhismo do médico.

Saber esperar, paciência, meio termo, virtudes e/ou necessidades na vida desse personagem-paciente-exagerado.

"Let's start all over again................This is saturday night, get loose.....My baby just cares for me"....

1.8.09

Alice retorna ao país das maravilhas

Fabi, querida, resolvi te escrever. Hoje, finalmente, eu me enchi da coragem que precisava. Abri os armários, retirei tudo que ainda restava dele. Calças velhas, jeans tão surrados como andava a nossa relação. Peguei as camisas, as cuecas sem charme e até a havaiana que ele adorava e taquei tudo em um saco, desses de supermercado mesmo, sabe? Meio simbólico tirar aquela tralha, sem uso, do meu armário. Como dizem, para abrir espaço! Mandei entregar no escritório dele, assim, nem precisava me dar ao trabalho de encontrá-lo. A escova de dentes, sei lá, parece ainda mais simbólico; joguei no lixo. Foi como me desvencilhar daquela boca, colocando-a no passado.

À parte disso, ando trabalhando muito, faz tempo que não me sinto tão produtiva. Estou investindo em mim mesma, estou cheia de projetos e futuros clientes. Plantando as sementes dos futuros lucros, literalmente! Também dei uma aula experimental na faculdade e parece que vou ser contratada, então, estou concorrendo para a trabalhadora exemplar do ano (risos!).

No campo sentimental, menina, nem te conto! Meu irmão me apresentou um amigo, um cara super interessante, sabe conversar sobre qualquer assunto, fala mil idiomas, já morou fora, tem um monte de histórias. Bom, ele não é canhoto, mas tem mil outras qualidades... Está pensando em fazer pós-doutourado, acredita?! Trabalha aqui pertinho da minha casa. Bonito (corpo sarado, com uma tatuagem, colorida, ilustrando aquelas costas musculosas: ai, ai!), inteligente, gente boa, engraçado e ainda tem um labrador; sim, um labrador, cachorro que eu amo! Ah, se eu soubesse desse mundão aí afora, já teria saído da minha inércia sentimental há tempos!

Ai, amiga, queria escrever mais, só que acabo de receber um telefonema do amigo do "Encosto"... Aparentemente, ele está na cadeia; encheu a cara e foi pego bêbado, sem documento, dirigindo o carro. Ligou a cobrar para o amigo e quer que eu vá lá para pagar a fiança e buscá-lo... Ai, meu Deus, lá vou eu. Não é ex-namorado, é filho...

Estou indo para um congresso em Brasília, mas, juro, assim que conseguir ficar menos enrolada, vou aí em Sampa, para gente conversar, dar bastante risada e lembrar casos antigos. Quem sabe não levo o novo Gatinho comigo? Garanto que ele nunca foi preso!

Um grande abraço,

Alice