30.7.09

Outros...

Há personagens que te levam adiante. Tão admiráveis, abrem o mundo a sua frente, como uma esteira de oportunidades a viver. Fazem parecer tudo tão simples, tão livre, tão sem apego.

Outros, fazem doer a carne. O corpo adoece, a mente surta e te fazem mudar por meio de fuga. Se é para ser ausente, que seja de longe. De realmente longe.

Há personagens lindos, quase obsessivos de tão encucados com uma ideia fixa. No passado. De uma obstinação tão veemente, que beira à loucura.....

Outros, nem sabem da existência alheia. Aparecem, de forma intermitente, trazendo o brilho do passado, um errante presente, para o futuro sumiço.

Há personagens que simplesmente amam. São capazes de esquecer, de pular o trauma e, no fundo, estão sempre ali. Acabam, vez por outra, apegados a detalhes, remoídos de vazios, mas prontos para imensidão do amar contínuo.

Outros, nunca se expressam. Nunca se comprometem. Nunca saem da sua própria visão de mundo. São donos de sua própria verdade, própria história. De tão confusos, chafurdam e confundem todos ao redor....

Há personagens de passeio. Desde os que nada guardam, até os que guardam os segredos da própria moral. Dependem, mas não querem depender. Querem ser livres em desejos, mas escondem a realização dos próprios caprichos.

Outros, sofrem, sofrem e sofrem de novo. Mas escolhem acreditar. Escolhem prosseguir. Escolhem a crença de que há algo que não apodrece com o tempo. De que além de capas de egoísmo, de indecisões pueris, de irresponsabilidades tardias, ainda há GENTE.

Há personagens vampiros. Roubam sua energia, roubam sua crença, roubam a parte adulta que ainda acredita no amor, na magia, na surpresa, no inusitado. Muitos deles estão arraigados de passado....

Outros, estão sempre ali. Amigos, amores, amantes, amados, eles lembram o personagem de quem ele é. De quem ele foi. E da esperança do que ainda pode ser, quando em dúvida, quando amado, quando amando, quando amante.

Há personagens de todos os tipos. Difícil crer que somos muitos deles, misturados, à medida que encontramos personagens que despertam os outros. Os melhores e os piores.

E qual é o segredo DO PERSONAGEM HOJE, AGORA? A resposta não pode ser...outros.....

26.7.09

Acorde!

Assim como não olhamos o teto com goteiras e a vastidão de estrelas no céu, não pensamos em simples situações do cotidiano.

Já pensou no quanto de dignididade representa você andar sozinho, caminhar, comer, dirigir, ter seu direito de ir e vir? Mais simbólico ainda é o fato de ir ao banheiro.

Imagina que esteja com uma urgência danada para ir ao banheiro, mas precisa de alguém para te levantar, para te ajudar a arriar as calças e a sentar. Uma vez lá, você senta, faz o que deve fazer - não vou entrar em detalhes escatológicos...- mas tem de esperar alguém para sair do banheiro. Ou, pior, executar o ritual diário de excreção com alguém, impaciente, olhando para você.

Quer beber água e precisa de alguém para pegar, quer organizar suas finanças, mas cada um dos seus papéis está um lugar diferente; se tiver de fazê-lo, terá de pedir para alguém procurar por eles, tentando entender a sua lógica...

O segredo está em cada gesto simples que fazemos, mas que podemos fazer sozinhos. Há os que não levantam da cama. Para os que podem, que o façam literamente e também andem com suas vidas!

21.7.09

Doidos...

Da série coisas esquisitas para se pensar ou sentir, fazendo do ócio algo criativo. Alguma vez passou pela sua cabeça a dor - ou o mesmo o terror precedente - relacionada ao espirro em um recém-operado?

Devem ter os seres inteligentes, onipotentes, veementes em sua sabedoria de que, no primeiro espirro, os pontos não vão arrebentar... Como em um desenho animado, cada pontinho não vai se desfazer, em câmera lenta, culminando com a revolução dos órgãos voadores. Surreal? I know. Mas que dói, dói.....

A linguagem também é uma coisa interessantíssima. Imagina a cena de uma pessoa, ligeiramente desabilitada, sentada na poltrona de um hospital. Aí, chega a auxiliar, da auxiliar, da auxiliar, da auxiliar da enfermeira. Empurra a cadeira de rodas e diz: "prontinho, pode sentar, aqui está a sua cadeira". O que será que passa na cabeça da criatura? Que o paciente fará passos loucos, performáticos, ao contrário, tipo canguru, quiçá homenageando Michael Jackson, para poder sentar...

Outra, da série perguntas idiotas. O paciente está comendo, enrolado, com a mão esquerda. Alguém chega e pergunta o porquê dele não estar ajudando com a direita. E o ser fica na dúvida se o seu soro, bem seguro em sua mão direita, alcançou poderes de invisibilidade.

Mais uma, porque é irrestível... O paciente está sentado, quieto e calado, em frente à televisão, desligada. Alguém chega e pergunta o porquê dele não assistir à TV. Ele reflete e afirma que ainda não avançou nos poderes de teletransporte, para trazer o controle até as suas mãos.....

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Estou sem internet, mas, sem reclamações, tenho o velho notebook de guerra! Por isso, perdoem a lerdeza dos posts.

17.7.09

.....

Pisca os olhos e está em cima de uma maca. Nem sente mais o gosto amargo do tal remedinho que mandaram colocar embaixo da língua. Um enfermeiro gigante de um lado e uma moça do outro. O enfermeiro pergunta alguma coisa. Vai saber.

Ele ri. Pensa no interessante olhar sobre o teto. Afinal, ninguém anda olhando para cima. Lembra da fotógrafa da exposição do CCBB. Em um instante, parece uma criança, "acelera aí"... O enfermeiro, sério, responde que tem de ir devagar...

As luzes vão fazendo um retalho de faíscas, emendando umas nas outras, ao mesmo tempo que a realidade de fios aparentes já não parece tão assustadora. Aí entra no elevador e, caramba, nunca tinha pensado que os elevadores têm de ser grandes para caber a maca... Ou talvez já soubesse, talvez já tenha estudado isso. Vai saber...

Pisca os olhos e está dentro de um quarto, em cima da cama, o irmão olhando. Ué, já foi? Ele se mexe e sabe que sim, uma ligeira dor dá os sinais de boas-vindas. A mãe chega e é só imobilidade em cima da cama. Lembra da médica falando alguma coisa, segurando sua mão. A partir daí, é só um abre curativo daqui, muda soro dali, dá remédio, traz comida, acorda, dorme, acorda, dorme, acorda.

10.7.09

(im)Paciente

Já reparou que, muitas vezes, hospitais não têm cara de hospitais? Deve ter a ver com essa coisa da modernidade, de fachada... Ele passou três vezes diante do hospital antes de ler, em letras miúdas, o nome esclarecedor.

A hora, o nervoso, primeira cirurgia da maioridade literal e "não literal". Mas vá lá... Entra no hospital, dá o número do cartão de crédito e deixam ele plantado esperando. Ansiedade? Bobabem, que nada!

Começa a passar mal. Enquanto o irmão estaciona o carro, ele agoniza a espera. Pacientes passando, cadeira de rodas, médica descabelada. Sete da matina. Nada animador.

Corre para o banheiro, passando mal. Olha cada canto do hospital, lembrando histórias de infecção hospitalar, negligência..."foco, vamos lá, se é para fazer, foco".

Volta à entrada, encontra o irmão, já sentado. Um jovem passa com dois sacos cheios de pão. Quentinho. Bobabem, ele só está sem comer há oito horas depois de passar um longo dia comendo canja... Ai, ai.

A luz pisca, uma, duas, três vezes e cai. Fica uma sala acesa: "pelo menos tem gerador", contemporiza o irmão.

A médica chega. Uma face conhecida, graças a Deus. Aliviado, ele levanta e - de forma desconcertada - dá dois beijos na médica. "Você já sabe qual o quarto?", pergunta a médica. 416, ele responde, ou a moça da portaria. Vai saber...

A médica diz que vai esperá-lo no quarto e ele só murmura que ainda está esperando. Na dinâmica não muito dinãmica, chega a enfermeira para levá-lo.

Os corredores do hospital, enquanto é levado, continuam "animadores". Vai vendo a fiação, a conservação. "Eu confio na médica, eu confio na médica", repete mentalmente.

Entra no quarto. "É você o paciente?". Ele olha e responde sim com a cabeça, querendo, quase, fugir. Ai, ai. A anestesista olha os exames, faz algumas perguntas; "que remédio você estava tomando?".

Ele responde que não faz ideia, que só tomou porque estava com uma potencial infecção, mas que há novos exames e que, aliás, ele nunca toma remédio, ele não gosta de ir ao médico, não gosta de hospital... Logo tem de vestir a roupa - aquela da bunda de fora -, fazer isso e aquilo, responder isso e aquilo. Bendita seja a anestesista que já deu logo um "sossega leão" para ele...

2.7.09

"É o que não se pode ver sem o requinte da tristeza..."

Uma estranha névoa ao redor. O friozinho arde no rosto, cheirando à manhã. Orvalho escorrendo pelas janelas do carro, turva é a sujeira dos amanheceres intermitentes....

A brisa corre, arrepio de cheiro, de memória, de novidade. A névoa acompanha. É possível ver, mas os sonhos de nuvens seguem, acompanham o carro, como um tapete de algodões....

Inebriante o ar. É azul, piscina, diferente. Quase confunde o sinal, a pista, o caminho.

De novo. Branco, branco, branco. Que parece neve. Um branco seco. Folhas de esperança, um olhar diferente, mais, para ser visto............. O que é isso, o que é isso, o que é isso? Revira os olhos, curiosidade à flor da pele.

Dançando, no céu rente, as nuvens pintadas, conjugando o branco do verbo vi(m)ver. Lá na esquina, o carro, de portas abertas. Pescoço esticado. Afoito e caloroso olhar e... pingos... Do branco ao arco-íris de derretida bruma..........