21.12.05

Morrer...

"(...)Não vive aqui, Viver aqui, o que se chama viver, não vivo, Não entendo nada, falar consigo é o mesmo que ter caído num labirinto sem portas, Ora aí está uma excelente definição da vida, Você não é a vida, Sou muito menos complicada que ela, Alguém escreveu que cada um de nós é por enquanto a vida, Sim, por enquanto, só por enquanto, Quem dera que esta confusão ficasse esclarecida depois de amanhã....estou cansado de mistérios, Isso a que chama mistérios é muitas vezes uma protecção, há os que levam armaduras, há os que levam mistérios(...)"

"E como as esperanças têm esse fado que cumprir, nascer umas das outras, por isso é que, apesar de tantas decepções, ainda não se acabaram no mundo, poderia ser que ela o aguardasse à entrada do prédio com um sorriso nos lábios e a carta na mão(...)"

As Intermitências da morte, morte assim minúscula quase até o final deste maravilhoso livro do José Saramago....

13.11.05

Olho muito tempo o corpo de um poema...

"olho muito tempo o corpo de um poema
até perder de vista o que não seja corpo
e sentir separado dentre os dentes
um filete de sangue
nas gengivas"

Ana Cristina Cesar

|Pensei até em mudar este texto, colocar algumas das músicas que rondavam a minha cabeça após o excelente show que assisti ontem. Mas o tempo está curto. Agradeço os e-mails recebidos, peço desculpas pelo sumiço e, exatamente por isso, vou dar uma parada -temporária, assim espero- com o blog. Logo, se tudo der certo, estarei alimentando os blogs novamente. Abraços, Dani|

31.10.05

OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO

"Chega um tempo em que não se diz mais: meu
Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos
edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação."

Carlos Drummond de Andrade

21.10.05

Darren Aronofsky's film

"If you want to find the number 216, you will be able to find it everywhere. When your mind becomes obsessed with anything you will filter everything else out and find that thing everywhere... 320, 450, 22, whatever!!! You've chosen 216 and you will find it everywhere in nature!"

Pi - Darren Aronofsky's film

19.10.05

Guardar

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.
Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro
Do que um pássaro sem vôos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.

Antonio Cicero

13.10.05

O retorno

O cenário de uma rodoviária após um feriado é capaz de deixar qualquer um ensandecido. Pessoas que rodam de um lado a outro, desnorteadas, com apetrechos e malas entupidas de coisas muito além do que costumam precisar. Apressadas, tentando esgueirar-se o mais rápido possível entre a multidão de viajantes com parentes, amigos; todos com os rostos chorosos que costumam marcar as despedidas.

Como quase todas as pessoas que lotam a Rodoviária Tietê, na cidade de São Paulo, ela vagava entre os guichês à procura de uma passagem de volta para casa que, nesses momentos, sempre ganhava um aspecto ainda mais saudosista.

Boa tarde, eu queria uma passagem pro Rio?”, “Passagem pro Rio? Estão esgotadas”. A cena se repetiu algumas vezes até que ela, insistente, quase desesperada, ao se lembrar dos compromissos marcados para o seu retorno, tentou uma das últimas companhias. “Passagem pro Rio? Olha, a companhia colocou outro ônibus porque a procura está muito grande. Horário de 23:30...”. “23:30?! Mas são oito horas da noite?!”. O atendente do guichê olhou, impassível, para a incrédula compradora e acrescentou: “Olha, a senhora vai comprar ou não? A fila está grande, cheia de gente querendo comprar pra amanhã. E, quer saber, é a última desse ônibus...”. Vendo-se sem opções, ela comprou.

E agora? Seriam três horas e meia de espera. A primeira reação foi de perplexidade. Ela sentou-se num banco perto dos orelhões tentando “digerir” a idéia e planejar o que fazer. Um amiga tinha pedido para ela ligar avisando o horário da passagem, mas ela resolveu não deixá-la nervosa. Optou por um passeio pelo Shopping D, ao lado da rodoviária.

Mas como quase sempre ocorre durante uma longa espera, o tempo não passou e uma hora depois ela retornou para a rodoviária. A confusão de pessoas indo e vindo continuava, parecendo até maior. Gente saindo do metrô, gente saindo dos ônibus, chegando do feriado, gente pegando táxi, gente na fila do banheiro, gente, gente...

Cansada de andar, cansada de carregar o peso de sua mala, ela ligou enfim para a amiga, sentou na mala e ficou mais uma hora ao telefone, sem culpas pelo gasto, afinal, não era um interurbano...

Mais da metade do martírio de espera já havia passado e o cansaço já dominava o corpo. Resolveu comprar logo um novo ticket do metrô para o próximo retorno. A fila de compra, sempre enorme, consumiu mais uma meia hora... “Bem dizem que tempo é dinheiro...” – brincou.

Ela ainda entrou numa loja que sempre chamara a sua atenção, mas que nunca tivera “tempo” de olhar: Dinho Presentes. Comprou alguns souvenirs e seguiu para os quiosques da Praça de Alimentação. Após se conformar com o fato de que nenhum deles tinha coca light, comprou um suco, alguns biscoitos e sentou.

Os minutos finais ( seriam?) seguiam enquanto observava os apressados. 23:20. Quase como quem ia receber um prêmio, ela desceu até a plataforma número quatro.

Casais se despedindo, gente chorando, crianças sonolentas, lanchinho nas mãos, detector de metais na mala, entrega da passagem preenchida.... enfim, poltrona 22 do ônibus executivo de dois andares, horário especial; ao lado da escada. Adeus São Paulo. “E quem vem de outro sonho feliz de cidade, aprende depressa a chamar-te de realidade...”.

Oito horas depois, já acordada, ela avistou outra rodoviária na “cidade maravilhosa”: Novo Rio. Apesar do ônibus ser direto, devido aos congestionamentos, houve um atraso. Chegada enfim? Não. Engarrafamento de ônibus já antes da Rua Rodrigues Alves... Era a volta do feriado em outra grande cidade... Descanso? Imagina... Ela foi trabalhar com mala e tudo depois do feriado. Saltou do ônibus e viu gente, gente, gente... todos acelerados...

3.10.05

Cheiro de Morte

No ar, só sangue. Aquele cheiro de restos. Um breve piscar de olhos trazia aos ouvidos o gemido.

Uma dor profunda, quase um pedido de socorro. Um medo e um desnorteio. A tentativa de fuga. A sensação do embrulho no estômago e, de repente, aquele abandono. Como quem chora e desiste. Pronto, ali estava. Podia fazer o que quisesse com ele.

Dele, só a carne, só fisiologia, porque o espírito tinha voado numa lamúria sem dono. Depois, era só a matéria; vil, suja. Olhos esbugalhados, fixos, fitando aqueles que prejulgava como algozes; carapuça da raça-humana. E ali ficou, deitado. Nem água, nem comida, nem descanso, nem sonhos, nem vida.

Os olhos perdidos iam perseguindo, sem dó, nem perdão. E, por todo lado, era só sangue, era só aquele, aquele gemido. Eufemismo de morte, no rastro de liberdade...

Tigre, Tigre, Tigre; que assim seja!

27.9.05

Diário infantil de um personagem

Ai, Peposo. ‘Me leva’ de volta. Aqueles abraços sem fim. Tardes sem propósito, inconscientemente seguindo na direção do acaso. Sem questionamentos. Sem decepções quanto ao óbvio da humanidade.

Traz de volta aquela mente sem dúvidas. Em nenhuma busca desenfreada. Só o momento. Só o rir. Só o agora. Que infelizmente já é ontem...

Peposo, arraste-me contigo para os delírios pueris, os sonhos cheios de magia e ilusão... Leve-me hoje, arrastada, como eu, que te levava, abraçado, amassado, junto a mim como se fosse parte...

Máquina do tempo para a foto: o sorriso, bicho de pelúcia nos braços, um instante de felicidade despropositada. Aí se refugia o segredo da alegria...

Vamos assistir à televisão fazendo piquenique, na sala, com farinha Nestlé e Nescau... Dentro da casinha da Mônica... De pano... Vendo família Flinstones, He-man, Caverna do Dragão... As crianças perdidas...

Ah, as crianças perdidas... Acho que Caverna do Dragão é uma grande metáfora para o crescer. Quando a gente passa a ser “como nossos pais” e nos perdemos do simples, do óbvio, verdadeiro... Quando temos de abdicar da magia, dos poderes, do "unicórnio de nós mesmos"... A lenda da pureza, da lealdade...

Que farei hoje eu? Não posso abraçar e chorar com o Peposo... Ele não fala mais comigo, meu Teddy das cavernas e Tupiniquim... Não existe um Mestre dos Magos do mundo real...

Existem milhares de Vingadores na busca eterna pelos “poderes” das “crianças perdidas”... Cheios de tramóias, almejando “invencibilidade”...

Precisamos sair da caverna de nós mesmos! Deixar invadir a luz para ressurreição de sentimentos como lealdade, fraternidade; os eternos poderes do amor...

Vem, Peposo. Calado. Sujo. Desbotado. Olhos foscos e lábios sem cor. Vem. Você fala comigo sim... É só eu me reeducar para ouvir. Você e ao mundo. Vem...

21.9.05

Estilhaços de humanidade

A criança chora no sinal todos os dias. Olhos remelentos. Vestindo fome e desespero. O irmão mais velho, que nem é tão mais velho assim, vende doces.

Sabe aquela mendiga pedindo esmola todos os dias? Rodeada de cachorros, vestindo trapos, estendendo a própria mão... Logo ali na esquina...

A trocadora contando e recontando o mesmo troco, temendo o real que vai faltar na merenda dos filhos, se descontado. Aquela mãe que agoniza o filho preso, pouca idade, seduzido pelas oportunidades fugazes do tráfico.

Um despertador para realidade. Aquela da qual tanto se fala e pouco se vê. Indo para o trabalho, agenda lotada, o cotidiano esquece a agonia daqueles que “sobrevivem” ou vivem à parte da sociedade.

Mas o sinal abre. O telefone celular toca. E é o fim da “humanidade”. Ou o começo... em um longo dia de afazeres “produtivos”. A justificativa do salário no final do mês.

Tudo bem. Lar mais uma vez. Deveres dos filhos feitos. Comida durante o jantar. Televisão no jornal da noite. E mais um desabamento... Uma família que perdeu tudo. Uma? Uma apareceu na televisão, esvaindo em lágrimas do esforço de uma vida que se vai numa intempérie...

E a “digestão” continua... Mais um bombardeio, sabe lá onde no mundo... A mulher grita. Perdeu o filho, o irmão, o marido; todos civis. Enfim, tudo é guerra, não?

Desliga a televisão. Mas o “toque de recolher” na vizinhança 'concorda'. Tiros e mais tiros. Pessoas tentando se abrigar em lojas e atrás de carros; terror. Da janela, tudo se vê. Deve ser algum conflito entre traficantes e policiais.

Mas é melhor ficar “longe”. Antes que uma bala perdida alcance em cheio o resquício de humanidade. Só estilhaços, reais ou não, de uma estranha sociedade. Melhor não ver, melhor não ver...

Então vem o sono. Os projetos a entregar no dia seguinte. Um pesadelo da filha sendo assaltada. E a insônia, a insônia; todo meio acordado para a vida... Mas ainda vivo!

13.9.05

Continuu

Uma espécie de fixação por amor. Como as pessoas não duravam, o amor, apenas ele, persistia. E o personagem era projetado em cada sombra de identificação. Arrastada ao longo de amores, cada vez mais inalcançáveis.

E não é que não amasse. Era cada vez intenso. Mais autofágico também. Suicidava de amores em amores. Cultivando o velho hábito de enaltecer as qualidades de cada um, sobretudo, amar os defeitos.

Sabia amar cada vírgula. Conhecia o silêncio como ninguém. Enxergava a pureza em cada farpa do dia a dia. Entendia a natureza do próximo. Só não podia suportar a dor do amor sucumbir ao cotidiano. Este então lhe parecia a morte de sentido.

Tinha sido sim, muitas vezes, injusto com o possível. Tantas que perdera a conta... Não conseguia respirar o plausível, como se tivesse de salvar a si mesmo em cada estrada sem fim...

E tudo era amor demais. Ou falta de amor. Sem saber, não percebia que um não funcionava sem o outro. Não havia mesmo motivos para agir assim, de uma maneira ou de outra. Magoar alguém é que era o fim. Amava “de menos”, amava “de mais”, e lá estava: a incompreensão que parece mover o mundo. Como se a paz fosse o apocalipse...

Sem querer, ia arrastando paixões perfeitamente lunáticas, enquanto o bondoso amor-perfeito, assim, exagerado mesmo, carregado de obrigações, ia se tornando pesado; ele, pesaroso...

Muitos olhares antigos, entretanto, ofuscavam o pensamento. Ficava a dor de não poder continuar. Sim, correspondia sim. Amava todos os amores. E continuava amando, mesmo quem odiava sua intermitência existencial.

Quando alguém 'divorciava' então, vinha a culpa. O vinho que deveria ser mais saboroso, aos poucos, era efêmero. De um só gole, ele tomava suas certezas e parecia desistir na embriaguez-ápice. E quem queria ser 'certo', junto, chorava este furacão de busca contínuo...

Então ele derramava. Lágrimas daquele instante que nunca pode continuar sendo. Aquele, aquele, aquele que está por vir, o momento antes do orgasmo. Para ele, o resto persistia igual; a ressaca de todos os sentidos...

E se desculpava. Às vezes antes, durante, depois. Sabia no que não ia dar. Avisava. Sempre dizia. Mas o fato era que acreditava em pelo menos um momento. E porque acreditava neste momento, o momento, seria capaz de virar o mundo atrás dele. Se viesse mais rápido, mais rápido era o devaneio. Se custasse, mais instigante.

A arrogância era tanta, que nunca deixara de acreditar sem ter vivido. Nunca, nunca, nunca... Nunca não existe... Na verdade, uma vez o céu havia sido pouco pra sonhar. Sonhou, sonhou, até sorriu, guardou quimeras de instantes quase verdadeiros. Quase. Mas voltou. Literalmente. Azul? Passou a ser só blue... Uma saudade que, por si só já é intensa, pior quando poderia ter sido aquele, aquele momento...

E isso foi tão forte que até parou para pensar na continuidade de um agora mais calmo. Aceitando que não se pode pular de sonho em sonho, sugando alegrias e recordações-combustível. Nunca vivera este outro lado; quem fica com o não-vivido, não correspondido, como se não tivesse “sido” o suficiente. Talvez estivesse errado? Quem ia saber agora?

Mas não adiantava. Tentava, tentava. A estabilidade feliz, meta para muitos outros mortais, parecia um “expropriar” de tantos “eus” por vir... Um dia ia se esgotar. Talvez sim. Talvez não.

E ele chegou a querer. Ironias do destino, quase implorou. Bebeu da própria ausência e assistiu ao seu reflexo, no espelho de um outro alguém. Mas a palavra ainda não era 'agora'... Só restaram os cacos...

9.9.05

Maré

Será que um dia vou me lembrar?
Dos rostos que não fazem sentido.
Das vozes que não saem, perdidas.
Dos textos que não soube ler.

Do tempo que não seguiu.
Das palavras que passaram direto.
Do canto de lucidez.
E da verdade soprada aos prantos...

Será que um dia vou me esquecer?
Do destino que se foi.
Do corpo que se transformou.
E até do pó. Sem explicações...

Do gesto que não houve.
E da viagem que fez retornar.
Do doce amargo de certas vidas.
E do sonho esquecido ao nascer na praia.

Enxuga este piano de dentes.
Cada um, memória errante . Vacilante?
Não deixa a lágrima transbordar da mente.
Ópio enlouquecedor de melodias.

Raspa, recorta. Atira.
Fecha a porta. Resiste.
Até o resquício do fim. Para cima. Para baixo.
Mexendo para todo lado...

Nem sempre é tempo.
Ou paciência.
Nem único...

1.9.05

Inércia

Ao entrar no carro, mosquitos para todo lado. Um calor infernal. O prenúncio do verão. Malas no bagageiro. CDs esquecidos. Melhor seguir o rumo.

Algumas ruas, muitos carros. No cruzamento, esquerda ou em frente? Melhor esquerda. Todos os caminhos engarrafados, de qualquer maneira...

No final da rua, um sinal rápido. E a fila não anda... Bad choice. Bad choice.

Paulo Ricardo depressivo no rádio. Finalmente a vez; chegando ao sinal e virando para a direita. Entrei enviesada, o trânsito estava obstruído, não dava para ir mais com o carro.

Na confusão de automóveis, oriundos de todos os lados, meu olhar cruzou o dela. Ela estava num gol branco, que entrou ‘por fora’ do meu carro. Não sei quantos anos devia ter. O rosto era bonito e envelhecido. Magro. Dolorido. Parei, desconcertada.

Era um olhar pesado, triste. Numa fração de tudo ou nada, invadiu minha alma. Nunca havia visto a mulher na vida, mas tive o ímpeto de sorrir, dar um bombom. Porém, não tinha doces na bolsa e talvez ela não pudesse comer isso. No mesmo fugaz, porém interminável instante, corri os olhos pelo carro. Pensei em dar o meu boneco cachorro, que tanto amo, de olhos azuis, sempre balançando a cabeça, como quem canta uma animada canção...

Nestes longos segundos, o carro dela cruzou pela esquerda e sumiu no engarrafamento, na não fileira de carros paralelos. Ainda passei por alguns carros parecidos, 'mergulhei' a cabeça, para ver se encontrava, no banco do carona, aquela cabeça amarelada, raspada, provavelmente de quimioterapia. Nada vi...

E aquela angústia, num olhar tão penetrante, embora rápido, perseguiu-me por mais 40 minutos de engarrafamento.

Ela passou, deixou-me perplexa e levou sua dor. Nada pude fazer. É a impotência, a todo momento...

25.8.05

Difícil

Difícil é respirar, falar, manter-se impassível quando o que você precisa é se desesperar. Difícil é quando todas as futilidades do mundo giram em torno de papos para esconder tudo que te aflige.

Difícil é quando você não quer o que quer. Quando você não quer o que consegue e não consegue o que quer ...

Difícil é quando você não conhece nenhuma verdade que te sustente, nenhuma luz que te guie... Nenhum sentimento que te faça forte, seguro.

Difícil é escolher, difícil é acreditar...difícil é tomar as decisões mais acertadas... Difícil é decidir sobre o que decidir ou descobrir que o decidir não há no que é difícil...

Difícil é cada desespero controlado. Difícil é cada resposta sem pergunta e cada pergunta sem ilusão.

Difícil. Difícil. Difícil.

O que é isso tudo, meu 'DEUS'?

21.8.05

Becos...

Poema do Beco

Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
- O que eu vejo é o beco.


Pneumotórax

Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:

- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.

----------------------------------------------------

- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.


Manuel Bandeira

14.8.05

POSITIVO?

Aguardava o exame junto à multidão que ia aumentando em progressão geométrica... “Saúde pública...devia ser não saúde de um grande público...” -ironizava ele.

Acendia um cigarro atrás do outro enquanto pensava na própria vida. Cheio de pena de si mesmo, já ia decretanto o fim e pensando no que gostaria de lembrar do passado de viver...

Analisava cada rosto, divertindo-se com o pensamento de que o anominato reservava faces e tipos completamente diferentes. Mas todos na mesma tragédia. A tragédia do medo, da apreensão. A incerteza do futuro ligada à incerteza da própria saúde...

Cada cigarro era um resquício de esperança que se acendia e se apagava com a sequência dos instantes e das lembranças...

Quais seriam as histórias escondidas no âmago de cada pessoa ali? Quais deles poderiam ter mais sofrimento para esquecer ou mesmo alegrias para contar?

Na vida, o que os uniu na categoria de vítimas da sociedade humana e da própria sorte... Seria um jogo de sorte & azar? Fatalidade?

Vidas talvez sem nenhum outro vínculo que um exame. Vidas que dali poderiam ter em comum um ponto de partida para um novo começo ou para o fim...Fim de quê? Já estava se condenando novamente...

E se desse HIV positivo? Então? “E daí?” - murmurava ele.

Precisava parar de se “matar”. Na verdade, todos sabem que vão morrer. AIDS é só mais um limite criado por nós... “Positivo?” - praguejava ele.

Positiva devia ser sua esperança, mas se o resultado desse reagente, ele também reagiria. Lutaria contra os excessos e provavelmente viesse a ter uma vida até mais saudável...

Reagiria contra o recorrente desejo de ter pena de si mesmo e se rebaixar a lamúrias quanto a desgraças do passado que deviam ser enterradas a despeito de qualquer resultado.

Devia era lembrar sempre de ser positiva sua maneira de encarar o mundo, a vida. Positiva devia ser a imagem de si mesmo. Positiva devia ser sua (re)análise de vida. Positivas deviam ser as conseqüências. Fossem o que fossem as letras batidas numa simples folha de papel acerca de uma vida. Um papel não traz um resultado. Não de fato. Atitudes sim. Positivas e de reação.

9.8.05

Parada de um personagem

Entre quatro paredes. É quase como uma redoma. É jaula, é paz. Falsa paz, mas paz.

Desejo de ali permanecer no recanto da fuga. Deixando os problemas no quintal. Escondendo as dúvidas no tapete de entrada.

Enganando que é só isso. Ele e o quarto. Não há decisões. O vácuo. Manter as inconstâncias sob a escuridão da ignorância. Ainda que momentânea.

O teto parece tão simples, tão próximo. Tão. Tão. Paredes tão firmes que ali quer ficar.

Ali, são as regras dele. É o seu tempo. E o seu intervalo.

Não há impossível porque são eles. Ele, o quarto e o retorno dele.

Às vezes, olha através da janela. Vê as flores crescendo no muro: 'Hera'. Um novo tempo talvez. Talvez.

Lá fora, na realidade. Ou ali, ao seu redor. Sempre há vida.

Ou um fiapo que quase desiste e se isola para recuperar a força.

Carga mínima de energia para reabastecer certezas, redescobrir metas e planos. Reestruturar o sonho destruído.

Procurando a resposta que não existe, assimilando que não há consolo.

Pensar já traz o medo. A decepção. A frustração. Volta, então, às paredes. Ao teto. E ao seu âmago.

Amanhã, ele mergulha no abismo...

3.8.05

Clausura

Consegue imaginar um quarto? Fechado. As paredes são brancas, mas a luz é daquelas meio amarelas. O reflexo é terrível, aspecto sujo. Como se o ar fosse um misto de fumaça. Não há muito a ver. O quarto está vazio, embora seja comprido.

Por vezes, dá para brincar de identificar imagens na parede. Seriam leões? Carneiros? Ou seriam morcegos? Mas, então, é só apertar os olhos para ver que são manchas.

Lá do outro lado da imensidão, há uma janela. Nem alta, nem baixa. Nem larga, nem estreita. O suficiente para ser vista. De qualquer quina. O exterior pode ser tudo. A imaginação pulsante. O rio e sua energia correndo em diferentes rumos. As árvores, frondosas, espalhando vida para todo lado. Como um oásis mental. Símbolos de liberdade e contentamento.

Porém a caminhada até a janela é infinita. Quanto mais passos, ainda que largos, mais distante a miragem. Penumbra na alma encarcerada. Agora é tempo de futuro...


“Não existe nada vivo
Dentro desse quarto
Todo dia eu pego o medo
Meço, mato e guardo
Num cansaço calmo de sobreviver
Cantar pra subir
Descer e dar uma banda...”
(Um dia na vida, Cazuza)

28.7.05

Espera

Parada na porta do restaurante. Andando de um lado a outro. Detestava esperar. Não estava ali mais do que cinco minutos, mas a agonia aumentava.

Atravessa a rua. Cigarro. Cigarro. Se queria parar de fumar, era melhor comprar a varejo... A barraquinha era a solução.

Uma “moça” compra balinhas. Uma mendiga pede centavos para alguma coisa inaudível... Uma fileira informal de “moças” se estende ao longo da rua.

Nem bem comprou o cigarro avulso e o vendedor gritou: “Bora, vamo trabalhar aí... Circulando, circulando...”. Ótimo. Um ambulante cafetão. A diversidade da Lapa... “E eu aqui...” – pensou, já acendendo o cigarro.

Esperando again na porta do bar, mendiga pedindo trocados – “será que estou ficando louca? Isso já aconteceu...”; pensou em como tudo havia começado. Tinha saído de casa no dia anterior, por volta das sete horas, logo depois da visita “inesperada” de um “amigo”.

Em pouco tempo, estava cercada de amigos queridos, jogando papo para o ar, em Copacabana. Uma garrafa de tequila from Mexico. Herradura. Sal, limão. Papo, papo, papo... Uma garrafa de cachaça. 51 mesmo.

Ao longo das semanas de esbórnia, a variedade do bar estava ficando inversamente proporcional aos porres... Papo, papo, papo e.... lá foram à praia.

E como isso acontecia? Logo eram muitos... Dos 4 iniciais, o grupo já estava multiplicado até ilustres desconhecidos. Hotel. Mais garrafa de cachaça, mais outra... Inglês, português, embriaguez...

Gente se exercitando na praia, em todos os sentidos. Banho de mar. Conversas e pássaros cantando... Intermináveis segundos loucos. Mais gente, mais gente. Dá um dois, pega a nota, pega o fósforo, queima idéias, atordoa lembranças...

Piscou os olhos e o dia está lindo... O sol está nascendo. Uma maravilhosa praia. Da multidão para os quatro, para o quarto; só risos. Acende mais alguns cigarros e lá tinham ido dois maços numa só noite...

Abre os olhos. Quantos momentos passaram??? Em horas, ela não sabia... Trabalho, que trabalho??? Quem, quando...

Vamos agitar, agitar. To get up. Voltar às origens. À praia novamente. Será que ela se enganou; tinha mesmo ido no hotel??? Surrounding... Lá estava o inglês...

Tinham comido alguma coisa? Sabe lá... Bebe, bebe, bebe. “Não, não falo italiano”. Fuma mais. So funny. Muitos momentos e “vamos ver um filme?” – perguntou o amigo.

Piscou os olhos e já era noite. Nove horas. Dogville no desejo, na TV; real life outside... É hora de voltar para a casa. Todos até o ponto. Ela pensa: “que casa, para qual casa eu vou? Está, ok...”. Era melhor ir para o apartamento, tinha que pegar o carro de qualquer jeito...

Toca o celular dela. “E aí, qual a boa da night?”. “Não sei, na verdade, eu estava indo para casa”. “Você está onde?”. “Em Copacabana.”. “Está ‘afins’ de beber, tô saindo agora”. “Putis, eu ainda não consegui voltar pra casa...”. “Vamos então...”. Suspira e pergunta: “Onde?”. “Na Lapa, naquele bar de sempre”.

E lá estava ela esperando... Mais alguns copos de vida “confraternizada”...

20.7.05

Feliz Dia do Amigo!!!

[ Gripe, cansaço, aniversários, shows, trabalho... enfim... Desculpem o meu sumiço de novo... Este texto de hoje vai para homenagear os amigos, sem os quais não existimos. Aqueles, de todas as horas - as tristes e as boas, mesmo quando não encontramos os amigos há séculos... Quando precisamos, os verdadeiros amigos sempre estão por perto!!! ]


Recordatio: Duplo Soneto de Maricá



Natureza tão sábia
Tão sublime.
Pragmatista em nossas vidas.
Aquilo que, usual, brincamos de ver.

Trouxe o vinho nas divinas uvas.
Suco fermentado de maçã; sidra.
Como Natureza, não se deve encanar. Solte a mente.
Lá vem cana. De açúcar. Agüardente, gente!

Momentos que passam. Vão e vêm.
Moinhos de saudade, fez ventar,
faz cachaça, fez sabor, faz lembrar.

E da cevada? A cerveja esperada.
Do cacau, o chocolate, nada igual!
Trigal, o pão nosso de cada dia; trigo trivial...

Natureza tão sábia.
Tão sublime.
Chove quando é preciso nascer.
Providência divina para germinar o milagre da paz.

Trouxe o frescor. A maresia.
Água para todos, quem diria...
Sem arco-íris; Colorido de instantes.
Uivar da garoa; sua voz, Natureza.

Momentos que passam.Vão e vêm.
Não se remoer; só emoção.
O resto é “cafezinho”...

Memoriae. Palavras em metonímias e metáforas.
Quanto mais eu pense, só resta agradecer.
A vocês e à Natureza.

5.7.05

O fabuloso mundo das crianças...

Ele, seis anos, parado, no meio da sala. O padrasto desce as escadas.

- Filhinho, papi quer falar uma coisa. Senta aqui.
- Tá.
- Sempre que você acabar de brincar, você arruma o seu quarto, ok?
- Tá.


Almoço. Todos quietos. O pequeno se manifesta.

- Papi, Renato falou uma coisa no colégio que eu não sei se entendi...
- O que ele falou, filho?
- Ele falou “cu”... O que é isso?
- Hum... Bem.... É o que todos usamos para ir ao banheiro...
- Ah....eu pensei que fosse pescoço....mas pescoço a gente não usa para ir ao banheiro...
- De uma certa maneira, você está certo. “Cou” é pescoço, mas em francês... Você lembra das suas aulas?


A criança não responde e continua comendo, pensando. Todos vão ver tv e ele, quieto. Horas depois, o pequeno se manifesta:

- Papi, vamos brincar?
- Claro, filho.
- Você sou eu e eu sou você, tá?
- Ok. E aí?
- “Então, você já brincou, vai arrumar seu quarto”...


----//----


Noite seguinte, festa na casa da avó paterna. Preparativos. Bolsas. Festa e farnel. Logo está a família toda reunida. Pai, padrasto, filho, mãe, avós, primos, madrinhas e padrinhos, amigos... A vó começa a brincar com o netinho e pergunta:

- Meu fofinho, você gostaria de ter um irmãozinho?
O pequeno grita, eufórico:
- Sim, quero, quero, quero!!!
Silêncio. A curiosidade da avó persiste:
- Mas você acha que vai ganhar um irmãozinho da sua mãe ou do seu pai?
- Ora, vovó... Da mamãe, claro! Meu pai não tem namorada...

Desconcertada, a avó continua:
- E você, cadê a namoradinha?
Ele faz cara de pensativo e permanece calado.
- Vovó já sabe, você vai namorar a filha da Tia Valeria, quando ela crescer, né?
- Ih, Vó... Claro que não! Quando o filho da titia crescer, eu já vou ser adolescente...


Papo sim, papo não. Muita comida. Volta para casa. Padrasto, mãe e filho no carro. No céu, um verdadeiro “espetáculo” da Natureza.

- Olha, Amor, que lua linda. Ela está amarela!
- É, está linda mesmo.

O filho faz cara de desdém e afirma:
- Nos meus tempos, a lua era branca.
- Como assim, filho? Você tem seis anos. Você não sabe o que está falando... – diz a mãe sorrindo.
- Claro que sei. Quando eu era pequeno, a lua era branca. Agora?! Não sei não...




[E que as luas de vocês sejam brancas, amarelas e de todas as cores...]

2.7.05

Morrer

Ter a sua sombra uma espada prestes a escorregar,
cravando como um punhal.
O peso dos sonhos e medos.
A ânsia do tempo.
A surpresa da infinidade de alguns segundos.
O inesperado temido.
Simples certeza - daí tanto pavor.

24.6.05

Carta a um pai

Querido papai,


Eu sei, Papaizinho. O senhor fez tantos planos... E me mandou aqui para imensidão do Rio de Janeiro. Para uma das melhores faculdades. Mas, não se preocupe, estou aprendendo bastante...

Ontem eu conheci uma moça na praia de Copacabana. Ela estava contando do árduo trabalho dela. Como fica na labuta todos os dias. Trabalha até altas horas. E ganha muito bem... Realmente os salários aqui são melhores...

Fiquei também tentando descobrir sobre os doces que nos dão nas festas. São todos muito gentis... A boca vai se desfazendo, uma sensação dormente, mas não se preocupe, Papaizinho, estou aprendendo bastante...

Eu sei, eu não fumava. Mas aqui você encontra cigarros das mais variadas marcas e outros, meio artesanais; muito interessante. Mas aprendi que não devo passar a língua muito úmida...

E tenho conhecido muitas pessoas. Aprendido línguas diferentes... Estava ontem perguntando como se descobre um Homem numa boate GLST. Cheia de siglas e gírias esta cidade, meu Papaizinho... E como saber que um cara, numa festa, querendo te beijar, é bi ou não??? Tantas dúvidas nesta cidade... Mas estou aprendendo...

É muita informação. Conheci muitas bebidas diferentes. Provei absinto cantando Moulin Rouge... Papaizinho, você conhece este filme: Moulin Rouge? Se você conhece, devo confessar que não vi borboletas, ou fadinhas, mas creio que eu vá descobrir, aqui no Rio, se existem ou não...

Papaizinho, aqui as pessoas sabem tanto... Elas assistem a filmes bem liberados. Dá para ver a vida em ângulos bem diferentes... Ah, meu curso? Tem me ajudado bastante. Outro dia, ameaçaram nos prender numa boate, mas eu citei algumas leis e eles nos liberaram sem problemas... Aqui também ocorrem “injustiças”, mas agora eu estou aprendendo o que é “lei” e o que é fora da “lei”.

É muita informação, Papaizinho, que não sei por onde começar...cada dia uma coisa nova... Preciso que o senhor me dê uma luz, ou será que devo dar à luz??? Porque acho que estou grávida, Papaizinho. Você sempre quis um netinho, não?

O pai é/será meu ex-namorado; um traste carioca, ligeiramente gigolô. Ele me trocou por uma mulher mais experiente do Rio. E mais rica... Sustenta ele e tudo... Talvez ela ajude a sustentar seu netinho... Não, eu não sei ainda, mas, aqui, já sei, existem fáceis exames de farmácia...

Porém, não se preocupe. Crianças são uma verdadeira bênção; tenho inclusive um “amigo” de 16 anos... “saímos” bastante juntos e ele me ensinou muita coisa. E ele é meu primeiro amigo gay; apesar de começar a achar que ele é bi...

Em todo caso, vou passar a ter menos despesas. Estou dividindo apartamento com uma amiga e ela me disse que, se eu estiver grávida, vai me ajudar a cuidar da criança... As amizades aqui no Rio são bem mais íntimas, dá para aprender muito sobre relacionamentos humanos...

Estou indo de um extremo a outro aqui nesta cidade maravilhosa... Não creio que fosse viver isso tudo no Mato Grosso... Papaizinho, você tinha razão ao dizer que eu iria aprender muito mais aqui... Não creio que eu consiga voltar a morar aí, meu mundo se abriu todo... Mas, não se preocupe, estou bem...

Ah, minha amiga de Copacabana me ofereceu um emprego e tudo... Acho que logo vou poder me sustentar sozinha aqui... Mas, não se preocupe... Estou morrendo de saudades e logo enviarei notícias.

Sua criança,



Pamela

18.6.05

Viagem no tempo

Com a mochila nas costas, simbolicamente, as lembranças pareciam mais pesadas... As horas passaram arrastadas, como se um processo estivesse se estabelecendo. Ver a vida com os olhos de ontem...

Num instante, as mesmas ruas, os mesmos medos e um torrencial aguaceiro de planos pra enlouquecer. Aqueles que você não chegou a realizar, mas foram tão amados, tão idealizados...

O cachorro late, abana o rabo, contente, como se um mundo de outras vivências não tivesse atravessado suas simples existências. Como se meses e meses morressem no instante do reencontro. Ali, aqueles olhinhos azuis brilhando, pedindo carinho, de barriga para cima, na simplicidade que os humanos parecem nunca alcançar.

Andando e lá está o cão. Atrás do personagem. Como sombra de passado e de afeto. Um banho e ele a esperar, como quem, inocente, ignorou anos e anos, algo que, agora, nada mais eram que olhares se cruzando. Ali. Parado. À porta. Humilde.

Fuma um cigarro, olhinhos azuis como companhia. Rodeando; talvez buscando o tempo perdido. E o cachorro espirra, pede comida, olha a corrente. Ah, os passeios...

E por onde vai, lá está o melhor amigo do homem, como o passado, que insiste em chamar, em brilhar por meio de maravilhosos momentos. Cada canto, uma recordação, quase viva. Independente.

Mas é só o ontem. O personagem abaixa os olhos e sofre, de leve, sem responder as perguntas de continuidade. Sem querer pensar. E que seja. Uma feliz viagem no tempo de você mesmo...

12.6.05

Apenas mais uma de amor...

[ Desculpem o meu sumiço, mas, além de viajar, estou tendo problemas de acesso à rede... Este texto vai em homenagem a todos os apaixonados. Homens, mulheres, senhores e senhoras, crianças... Aqueles que, num dia simbólico como hoje, não podem estar ao lado de quem amam, seja porque não está mais vivo, seja porque o amado/amada se encontra em outro estado, trabalhando em outro país, ou porque foi preterido em nome de um outro amor. Pior ainda, porque não ama assim, descontrolamente, nenhum ser. Ode ao amor, meus caros, mas todos os dias do ano!!! Pela vida, pelo próximo, pela Natureza...]



Horizonte


Sabe aquela foto que eu não coloquei no trabalho? Este amor que não posso ostentar aos quatros cantos. Este sentimento que preciso explodir, como etiqueta deste sorriso pueril; sorriso-pensamento em você.

Todos os dias eu acordo você. No despertar, vem o sorriso, o nome é repetido. Às vezes em voz alta. Às vezes num sussurro, tímido, no desespero de ter e não ter. Todo o tempo.

O café da manhã que você adoraria. Sei que você iria gostar deste livro que estou lendo. E lá está você, ‘discutindo’ o livro comigo. Sei que iria amar esta música, aumento o volume.

O restaurante que você pediria massa. Muito parmesão. Cinema? O filme cujo ator você conhece. E o diretor, o nome do filme em português, inglês, quiçá em italiano. Exagero? Este sou eu...

Uma livraria, um sebo. Milhares de nós. Novos, usados, cheios de histórias, de autores, de vidas, memórias e sonhos. Tantos sonhos, jogados em prateleiras. Jogados em letras. Vidas sorrateiras...

É você numa paisagem linda. O lago, azul, brilhando. Como seus olhos. Um pôr-do-sol para ver enrolado, misturado aos seus braços. A foto que o seu olhar poderia ter visto. Saudade que nenhuma palavra mensura.

Farras gastronômicas. Foundue de queijo. E chocolate. O vinho que te deixaria mais sorridente, livre, falando alto... vejo o sorriso na minha direção num beijo que você roubaria, sem nenhum esforço...

Outro filme. Outras frases que você diria. Você. Você. No texto da vida, somos nós. Nossos nomes. Nosso desejo. Nossas projeções. E sou eu. Sonhando acordado.

4.6.05

Monstro de Olhos Verdes...

Dom Casmurro moderno


Ela estava para todo lado tentando descobrir irregularidades naquele hospital público. O jornal queria a matéria para o dia seguinte, o “furo” do final de semana. Uma verdadeira multidão agonizava, esperando atendimento. Onde ia, havia pessoas querendo fazer denúncias.

Estava entrevistando um paciente que havia esperado 4 horas para ser atendido, quando um médico se aproximou, bastante assustado, dizendo que precisava falar com ela. Entregou um papelzinho, pequenino, com o nome dele, disse que queria fazer umas denúncias em off e saiu apressado.

No meio da entrevista, sem saber o que fazer, ela colocou o papelzinho no soutien e continuou sua “corrida” por descobertas no hospital. Depois foi logo para redação; sempre correndo, escreveu a matéria e teve de sair apressada para encontrar o namorado, que estaria indo visitar a família em outra região do Brasil.

A semana tinha sido uma confusão, os dois nem tinham se visto. Ele a encontrou no motel e, quando ela abriu a porta, ele já veio, cheio de saudades. O clima começou a esquentar. A saudade apertava. Ele começou a tirar a camisa dela e voou o papelzinho.

O bilhete caiu na cama, assim, virado para cima. Rodrigo. Número tal. O namorado ficou louco. Começou a se alterar, ficar vermelho. Ela tentava explicar, inutilmente, que era um médico querendo fazer uma declaração sobre irregularidades num hospital, no qual havia feito uma matéria. Tinha estado “enrolada”, sem bolsa, com gravador, papel, caneta, sem bolso... Guardou ali e esqueceu...

Ele foi ficando mais nervoso. Ela perguntava se ele estava desconfiando dela. Ele dizia que não, mas que ela não tinha malícia. É claro que o médico estava dando em cima dela. Aproveitando-se da situação...

Ele ficava cada vez mais nervoso. Ela resolveu sair e ir para o banheiro, para ver se ele se acalmava. Ele começou a esmurrar a porta e gritar “saia daí agora... quero ouvir você falar com este aproveitador”.

Sem saber o que fazer, também nervosa, ela saiu. Tentou argumentar que era muito tarde, duas da matina. Ele insistiu. Sem saber o que fazer, ela pegou o telefone e ligou para o tal Doutor Rodrigo.

“Oi, que bom que você ligou”. O namorado ficou quase pendurado no ouvido dela para ouvir o que o ‘aproveitador’ estava falando... A jornalista, sem saber muito o que dizer, enrolou o médico, para ele continuar falando.

“Desculpe ter entregue tão rápido o papel para você no hospital, mas não queria que ninguém visse. Fico feliz que você tenha ligado, existem várias coisas absurdas acontecendo lá e preciso contar”...

Como um balão perdendo o gás, o namorado, então, caiu, sentado na cama. Cara de criança que foi flagrada roubando um doce..

27.5.05

Inocência

Inocência na espera por um momento muito desejado.
Sentada no sofá. Perninhas cruzadas. Cachorro nos braços.
Uma saudade que morde e uma novidade que late.
Solta o cachorro, Miúxo, e ambos se aproximam, correndo.
O abraço apertado. A fala disparada e a voz alta.
Histórias sobre o cachorro de dois meses por uma criança de cinco.
Explosão de fatos & fatos & fatos.
E o cachorro late, morde, brinca e também implora atenção.
Carrinhos, bonecos, bandeira da seleção, todos os novos adereços.
O brinquedo de letras e a surpresa da leitura...
A inocência que lê. Soletra. Que repete o alfabeto.
Reconhece os números e o mundo da escrita.
A inocência que come, enganada, numa disputa:
quem terminará primeiro? Madrinha ou afilhado?
O encantamento da televisão e o conhecimento infantil.
Personagens, histórias, tramas...
O passeio e a entrada no ônibus:
“Dinda, por que você não pode entrar comigo pela frente?”.
Inocência que ouve, mantém-se atenta ao mundo.
E surpreende fazendo a linguagem dos sinais.
Compra balas de gude. Chicletes. E quer bala, kinder ovo...
Alguém que pode oferecer os caprichos que não pode ter sempre.
E esse alguém o faz com muito prazer...
Espanto novamente: a vivacidade da criança reconhecendo os caminhos.
Jogos. Brincadeiras. Corridas. Diálogos.
Diálogos... A criança entende e sabe se fazer entender.
Brinca com os animais e até os conta...
Lê as placas, fala quais são os ônibus e para onde...
Pede, candidamente, para abrir o difícil botão da calça...
Estava apertado para ir ao banheiro?!
Uma distração e já foi encomendar o sanduíche pretendido.
Vai pagar sozinho e se espanta porque não sobrou nada da nota...
Volta para casa e, banho, claro!
Afilhado, contente. Madrinha, abobada.
Despedida. Por quê? Sempre...
Parado na porta, cabelos lisos molhados, escorrendo sobre o rosto:
“tchau, Dinda”.
Tchau, Pipe. Fique aí, criança.
Mantenha o sorriso no rosto e prenda a felicidade na alma.
Brinque. Aprenda. Viva.
Mas jamais, jamais se deixe contaminar pela crueldade do mundo.
Fique assim, “Inocência”.

20.5.05

Personagem perdido

ESTOU PEDINDO SOCORRO COM O OLHAR

com cada parte de mim.

PEÇO QUE ME VEJAM

como realmente sou.

E EU NÃO SOU O QUE SOU,

venho sendo,

OU VENHO TENTANDO SER...

PEÇO QUE ME OUÇAM

nem que seja pra falar de (en) terra (r).

PEÇO QUE ME VEJAM

nem que seja a visão de uma neblina.

PEÇO QUE AS COISAS NÃO SEJAM

e acabou.

PEÇO QUE NADA SE PEÇA

peço a pureza que o padrão nos rouba.

PEÇO A CERTEZA DO AMANHÃ

peço a loucura dos que dizem a verdade.

PEÇO A ESPERANÇA DE QUEM REALMENTE VIVE

peço o brilho dos que amam...amam sem condições.

TALVEZ EU ESTEJA PEDINDO DEMAIS.

Na verdade, estou pedindo o que sou...

E PRECISO SER...

preciso ser o não ser...

PRECISO DE MIM!!!

13.5.05

A menina do ônibus

Para ela, ele é Deus.
Ela o vê como homem, modelo de beleza
Exemplo de astúcia.
As palavras são como ensinamentos.
Que vêm leves, risonhos, felizes.
Ela o olha como algo a ser, espelhar-se.
Fala. Fala. Como criança.
Bem mais do que de fato é.
A inocência de ser espontâneo,
até bobo para chamar atenção.
Brinca. Ri. Como quem vive um momento único.
Como, na verdade, todos são.
Fala. Fala. Ama como criança.
De olhos fechados e peito aberto.
Como, na verdade, todos deveriam ser.
Ela fala. Fala. Ele observa e a envolve com carinho,
apoiando-lhe a cabeça nos braços,
beijando a face e lhe acariciando o braço.
Em contrapartida, admira.
Talvez resgatando nela um pouco do amor
incondicional perdido no “crescer”.

9.5.05

Tudo pela Literatura...

Confesso não ter muita paciência com ‘correntes’, mas tudo pela Literatura... Seguindo uma corrente, agora proposta pela Leila, aqui vou eu...

Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?

Caramba, nunca pensei nisso...em ser um livro... Mas, se pensarmos bem, nós somos todos livros inéditos, cheios de coisas para ser... Que responsabilidade?! Será que não daria para ser uma coletânea? Vou pensar mais a respeito...


Já alguma vez ficaste apanhadinho(a) por um personagem de ficção?

Somos todos personagens, acho que vem a calhar neste blog... Não creio, mas eu me lembro vagamente de, bem menina, ficar louca pelo personagem do livro ‘Se houver amanhã', Sidney Sheldon. Não me crucifiquem, por favor...

Qual foi o último livro que compraste?

Ih, eu comprei um monte em Buenos Aires. Ando num ardor pelo idioma espanhol que só minhas compulsões poderão explicar... De todos, meus ‘queridinhos’ são dois, o que eu estou lendo e o “Memoria de mis putas tristes”, Gabriel García Marquez.


Qual o último livro que leste?

O último livro que li foi de trabalho, mas, antes dele, lembro de ter relido “Laços de família” ( Clarice Lispector) e “Amor, curiosidad, prozac y dudas” ( Lucía Etxebarría).

Que livros estás a ler?

Estou bem enrolada, como sempre, mas estou tentando ler “Cartas desde el infierno”, Ramón Sampedro. Para quem não sabe, o livro do filme “Mar Adentro”.

Que livros(5) levarias para uma ilha deserta?

Olha, escolher é realmente um problema... Mas certamente levaria livros do Manuel Bandeira, García Marquez, Saramago, Machado de Assis, Cecília Meireles, Edgar Allan Poe...

A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e por quê?

A maioria dos meus amigos não tem blog, mas vou passar para alguns, incluindo os amigos virtuais que venho fazendo.

3.5.05

Escova progressiva?!

Caminhando na forte chuva. Quase 23:00hs.
- Ei, ei... Posso pegar uma carona?
- Oi?
- No guarda-chuva...
- Ah, sim, claro...
- É que eu acabei de fazer escova progressiva e não pode molhar, sabe?
- Não, não sei...
- Então... Eu não trouxe guarda-chuva. Não queria “morrer” em cem reais...
Ele, calado. Ela, continua.
- E eu queria mudar o visual porque meu cabelo estava HORRÍVEL. A gente economiza para poder gastar com estas coisas... Não posso estragar o cabelo então...
- Sabe que se eu contar que dei “carona” a alguém, no guarda-chuva, para manter a escova progressiva, capaz de ninguém acreditar?!
- Por quê?
- Não sou exatamente contra, mas também não recomendo este tipo de coisa. Acho que não tem necessidade...
- É, mesmo... Deviam avisar a gente como é... Agora não posso molhar, tem de valer a pena! Queimam a cabeça com formol, fica um cheiro terrível... Sente só... – diz, esticando os cabelos.
Enquanto fala, a desconhecida, já agarrada ao braço do personagem, segurando o guarda-chuva junto à mão dele, vai aproximando o corpo.
Mais da metade do corpo molhado, encabulado, ele joga fora o cigarro apagado e vai mais para chuva. E ela continua perguntando onde ele vai e falando...
-Ih, eu moro tão longe... Vou demorar a chegar em casa. Pior que, ao chegar lá, ainda vou ter de andar. Será que ainda vai estar chovendo? Ai, não sei o que seria de mim sem você...
Ele, calado, encabulado e incrédulo.
Ela...
- Escute, qual o seu ponto de ônibus?
- Aquele ali, o terceiro.
Ele avista o próprio ônibus, parado no ponto, suspira, mas leva, mesmo assim, a garota ao ponto dela.
- Pronto, é aqui, não?
- Sim.
- Ok, então... tchau e boa sorte.
- Espera...
- O que foi?
- Toma...
Ele olha o cartão com o número de telefone anotado e retorna o rosto, ainda mais envergonhado, para ela, que dá uma “piscadinha”. Sem falar nada, corre para pegar o ônibus e fica, rindo, sozinho, pensando: “escova progressiva...tsc...tsc...tsc...”.

29.4.05

Noite III

Quase vai tudo numa onda
Fica a sensação pendurada no acaso...

Um sorriso no inesperado...
Venham, surpresas...

Lá longe. Pareço me ver.
O flagra do proibido.

Mais longe. A promessa.
Eterna . Como água secando... Lentamente.

A lua? Nem tímida.
Como companhia? Além de mim?
Uma estrela única... Insistente...

De repente, perto do mar
parece que as estrelas se despem
em tristezas.

E brilham.
Enquanto a vida escorre sob meus pés.

Vontade de mergulhar...
De cabeça. A água gelada explode...

Tão ondas. Tão sonhos...
Até olho para trás...

26.4.05

Noite II

O cigarro queima.
Roupa. Ilusões.

Incêndio de idéias.
Só vejo pegadas.
Não há fim...

A cinza, intacta.
Mas vai desintegrar...
Universo normal!

Eu e Natureza.
Escultura imóvel.

A lágrima escorre dúvidas.
Repousa, inerte, na luz adiante...

24.4.05

Noite de um personagem I

Uma noite fria
bem como minha alma.
Distante dos sonhos...

O mar? Revolto.
Aguaceiros que não param.

Lembranças seduzem.
Não consigo escrever!

Sombria a montanha
na penumbra do momento ideal.
Passado!

A correnteza vai.
E tem de trazer o novo.
A descoberta.

Não vejo horizonte.
Como em mim...

19.4.05

Sempre Clarice

[ Na falta de tempo, faço aqui minha homenagem para a grande Clarice Lispector!!!]


"Tenho que falar porque falar salva. Mas não tenho nenhuma palavra a dizer. O que é que na loucura da franqueza uma pessoa diria a si mesma? Mas seria a salvação". Clarice Lispector

14.4.05

Marcas

A névoa subindo. Sumiço no ar. A ilusão que cultivamos. Como cinzas se espalhando na água. Descendo a um fundo qualquer...

‘Chuvas’ na parede. Sinais do tempo. Listras e listras. Formas de cinza. Como lágrimas marcadas.

Um céu que se recria nas nuvens intermitentes. Desenhos criativos que seguem sonhos e imaginação. A luz que se apaga. E que se acende. Sob o vidro estampado de casual intempérie.

Até a brasa se apagando. Queimando a não- consciência de um instante.

Uma forma geométrica qualquer. Distâncias entre pontos da imaginação. Cultuando pedaços de utopia. No que se quer criar. Pensar.

Ramos que crescem em determinada direção. Natureza vívida e imprevisível.
A teia de aranha, magnífica, contra a luz. Um mosquito bailando em existência. Defrontando inquestionável cadeia alimentar. Aranha “patinando” como um ato teatral para alimentação e cruel sobrevivência.

Luzes ao longe que desenham castelos piscantes. Ondas vibrantes; som. Um rio “escorrendo”; um ‘mar’. Um raio. Um trafegar de carro. Trajetos de energia sonora que não se vê, não se sente e não se costuma vislumbrar. Marcas dos sentidos que nos cercam, mas não se certificam na consciência.

Sombras. Em galhos flutuando no ar. Quase como um balé natural. O espetáculo se faz. Na ignorância do entorno corporal. Na matéria, orgânica ou não. No ser, vivo ou sobrevivente. Brisas que atravessam sorrateiramente. Um sussurro incólume.

Como ondas na água. Indo e vindo no mais maravilhoso som inaudível do sonho visual. E ‘aqui fora’, neste personagem? Tantas marcas. Não importa o marco que pontuem...

Daniele Sorris

"E são tantas marcas que já fazem parte
Do que eu sou agora mas ainda sei me virar
Eu tô na Lanterna dos Afogados
Eu tô te esperando
Ve se não vai demorar..."


Lanterna dos Afogados - Paralamas do Sucesso

6.4.05

Maior Abandonado

Liberdade. Liberdade. Essa o personagem não tem. Quer se prender a alguém, mas não pode. Não tem a liberdade de escolha. Está ali, mas não é visto. Irremediavelmente preso aos encantos de alguém. Desejando o acalanto dos beijos, o 'mantra' da voz e o quadro do sorriso... Tudo na memória como marca de felicidade única. Momentânea. Fugaz.

Liberdade, liberdade. Essa o personagem não tem. De dormir abraçado. De acordar O ALGUÉM no meio da noite, explorando um corpo. Infinito mais toques e beijos.

Que plenitude pode alcançar longe do "amor-ideal-real"? Aquele, com flores e problemas. Seria infantilidade (Who knows?)?

Liberdade? Onde? Se o amor é proibido, se o sentimento é tolhido até nos sonhos. Para quê? O poder da escolha é a maior liberdade; esse, o personagem não possui.

Um personagem que concedeu liberdades, outrora tão “conquistadas”. Um personagem livre de “pré-conceitos”; ao lado de alguém, livre, ousado, franco. E cá está este personagem, preso a um silêncio, da não escolha, do não compromisso. Nem respiraram desejo. Nem desejaram tentar.

Liberdade? Essa, o personagem não tem. A liberdade de viver junto. Qualquer outra pode ser compartilhada; a liberdade de sobreviver separado, a liberdade de promover a interseção do infinito. Mas, aquela? Aquela se dissipa, culpada, ao menor sinal de pensamento.

31.3.05

Personagem onírico

Um dia me falaram que as nuvens não eram de algodão, que o sabor do sonho não era doce, era inexistente; impossível. Que o céu era inalcançável; o limite. Insisti em acreditar nos mistérios da vida, mesmo sem entendê-los. E assim prossigo, perdida pelo mundo, mas descobrindo, aprendendo que, para mudar, é preciso quebrar paradigmas. Imaginar o meio-tom, 'ouvir o silêncio' e se questionar. Todos os dias.

24.3.05

Como anular um amor?

Não dar importância a coisas básicas como um 'bom dia', 'como você está?'. Esquecer de perguntar sobre aquele projeto tão importante, ignorar aquela crucial consulta ao médico, não perguntar sobre o concurso realizado, sobre o amigo doente, ou até mesmo da simples dor de cabeça.

É não ouvir o próximo. Não saber dialogar, expressar desejos e incompreensões. Guardar tudo para si mesmo com medo de se comprometer, de magoar. Ficar centrado em torno do próprio umbigo de problemas e esquecer que há um mundo ao redor girando sem parar...

Como anular um amor? É só esquecer que são personagens humanos. Cheios de desejos e problemas. Numa ânsia de percepção. Muitas vezes, necessitando apenas de duas palavras afáveis; um carinho para um coração carente DO ALGUÉM.

É só negligenciar presente em detrimento de escolhas e futuros impensados. Pensar tanto e esquecer de dizer, até mesmo de viver. Anular um amor é anular o amor-próprio e o amor ao próximo. Tornar o fútil, o inútil, o mais importante. É agir com cautela, educação e não com carinho, amor e preocupação.

Colocar o cérebro como trilha e mandar espontaneidade, sinceridade, para o 'buraco'. Ouvir conselhos e pensamentos lógicos. Próprios ou de outrem. Ignorar o apelo do corpo, da memória e da saudade... Personagens podem errar. E podem amar de novo. Mas algo se perde. Sempre... Mesmo que o momento passado...

Daniele Sorris

16.3.05

Fugaz

Demorar a voltar. Crise rala e insistente. Tempestade quieta. Coração mais desejos e sonhos. Voltar a ver o mundo ao redor. Além projeções de futuro. Sempre. Longe. Em (des) construção. Um personagem qualquer. Parado. Pensando. Em pé, no ônibus. Enxergou aquela senhora olhando pela fresta da porta. Um resquício de vida passando. A novidade. O contato com o mundo externo. Ainda que momentâneo.

-//-

Ela ali. Parecia ser um fio de vida. Costurando a memória e o hoje. Memória em cada um de nós que constrói o nosso atual. Também coletivo. Aquele dia. Aquela imagem ficou guardada.

E as idéias?! Os netos que ela devia amar. Cada um deles, atravessando o corredor-cérebro dela. Derrubando paradigmas. Trazendo a nova internet, os novos brinquedos, a nova “cultura”. E ela os amando.

O filho? Talvez ocupado demais para ir visitá-la. O marido, companheiro, lembrança para vida inteira. E agora podia ser só presença espiritual, por assim dizer.

Aquela, aquela imagem. Ela ali. Sentada. 'Percorrendo' toda uma vida. Sentido e brisa... Também o vento das novidades alheias. Pessoas que poderiam ter cruzado a vida dela. Ou não. Talvez os filhos daquelas pessoas.

Do lado de fora, em frente à casa da senhora, o ônibus do personagem, parado no engarrafamento, cheio de cotidiano para ela espreitar.

Não. Talvez ela olhasse o bar. A confusão. Jogo de cartas. Alguém derramando uma cerveja. Uma enorme mesa de sinuca. Aquele tecido verde, quase “reluzente”. E, bem no meio, um gato. Gordo. Branco. Esparramado. Talvez descansando também. Talvez lembrando da jovialidade. Também.

Ela e o gato “assim”. Em conjunção. À parte. O mundo à volta de um observador sobrevivente, que foi parte do mundo destes outros personagens nos segundos intermináveis de um engarrafamento. Na verdade, um gato gordo, uma senhora e um personagem sem nome no mesmo improvável instante.

Daniele Sorris

9.3.05

Persona

[ Este blog traz uma participação especial! O Personagem abaixo foi uma gentil contribuição de Leila Silva; professora, tradutora, escritora, 'nômade', entre muitas outras facetas. Leila é responsável pelo blog Cadernos da Bélgica, um verdadeiro garimpo cultural. Sejam bem-vindos a mais uma viagem... ]

Às vezes tenho que esforçar-me para lembrar de quem eu era. Tudo aparece confuso e nebuloso. Tantos clichês nos rodeiam. Quem era eu, quem fui, quem sou? Até aí. Não falo de outras vidas, dear baby, que essa já me basta. O tempo urge, cuidemos. Cuidemos desta que aqui está, efêmera e imperfeita.

Que mais tenho que lembrar? Ah, teve um ser chamado Nietzche que decretou que deus está morto. Poupou-me trabalho, mas não me disse quem Eu sou.

A espera sábia pode ser de rara beleza, mas você não acredita nisso. É verdade que no meu armário tenho várias máscaras, não nego. Cada uma mais bonita que a outra, dependendo do ângulo. Essa que porto agora é de cor invulgar. Percebeu? Levou anos para estar assim, com esta máscara tenho tantas habilidades que você nem imagina. Sei saltar de um século para o outro, já já lhe mostro. Tenho também uma toda branca, elegante e assustadora, de impossível decifração.

Um personagem simples, como tantos outros, que transita de dia pela cidade e de noite pela via-láctea. Um personagem bêbado de lucidez…Um personagem eu.

Às vezes tento me lembrar.

Por Leila Silva, 08/03/2005

24.2.05

O GRITO

E o personagem gritou. Não um eco literal de voz e palavras. O grito de uma sensação; aquela, dentro do mar, sentindo o sal, as ondas, a escuridão da noite, o desamparo, água, água, ar faltando aos pulmões, sem destino, querendo sair, cada vez mais submerso...

Explodiu assim. Sem querer. Embora previsível, que o personagem não deveria ser...

Desafogou e caiu no ridículo de si. Respirou e ficou perdido na praia de desejos e idéias sem rumo... Desesperara esperando um milagre. Talvez.

“Jazia” agora, ali, um personagem. Vivo ou morto??? Poderia renascer de qualquer maneira. Cadê forças? Cadê decisão? Onde? Como? Quando? Talvez fosse necessário um purgatório de si mesmo.

Ou um interrogatório. Que fazer? Que fazer? Que fazer? Tantas oportunidades, mas é preciso escolher às vezes. Mesmo que no Agora. Cada curva, mil outros caminhos. O personagem podia ser tudo sempre. Não no Agora. E isso havia sido quase fatal...

Devia então ser só silêncio. Deixar ecoar as vozes de sonhos interiores. E descobrir a realidade a imprimir... Em que acreditar. Dialogar, ao menos, consigo mesmo...

17.2.05

Que personagem vai brilhar???

Apresento-lhes um personagem meio cansado. Quer falar a linguagem mais simples e mais renegada; o amor. Ao próximo. Pela Vida. Pela profissão. Fazer o trabalho com vontade, ajudar para tudo dar certo. Dar um presente ao triste colega, ajudar na dor sem cobranças, cooperar, estender o braço sem julgar. No problema, dar apoio; na vitória, elogiar, sem ser 'parasita' de momentos...

Ao pensar julgar, que se estenda um espelho, para que incompreensões recíprocas tragam à luz diferenças... Maravilhosas diferenças. E dêem a luz do respeito. Necessário respeito...

Personagem que saiba cantar lindas palavras como compreensão, carinho, cooperação, excitação, confiança, sinceridade... Ah, quanto elixir de vida...

Exausto. Não derrotado...

10.2.05

Branco total...

Num só tempo, meu personagem foi saudade, foi quimera, foi desafio, foi novidade, foi referência e referencial, sem deixar de ser labirinto... 'Sobretudo', jaqueta de couro ou nudez de ilusões...

E, no fim...aliás, não gosto desta palavra... No ápice, sabe lá quando chega, é sonho ou loucura??? Seguir ou construir...

Meu personagem quer a paz mundial, mas antes precisa da paz em si mesmo... Tem tanto a aprender... O que urge mais: esperar ou correr novamente???

Meu personagem quer a simplicidade. Daqueles tolos instantes sem explicação. Sem motivos para ser feliz. Porque o sol brilha, porque um dia você sorriu ali e o sorriso ficou pendurado na memória como um chocalho infantil, que se tenta buscar, sempre sorrindo, no prolongamento da sensação...

É respirar bem fundo porque a vida está cheia de 'recordações penduradas'. Poderíamos sacudir cada uma por dia... Como um despertador para ser feliz... No agora, no agora, no agora. Seja o que quer, seja o que for, seja o que escolher; primeiro tem de aprender a ser feliz no agora... Não condicionar felicidade em escolhas incertas ou viajantes...

O 'sobretudo' e o casaco de couro estão guardados. Nem chove, mas escorrem lembranças... O azul brilha meio tímido dentre obstáculos do social... Vermelho-amor fica rubro em covardia.... Verde é o sinal para o devaneio... Branco em possibilidades. De novo. De novo. De novo.

31.1.05

O Fim das Ilusões

Na tristeza, este personagem se lembrava daquelas maravilhosas aulas de história, o início das viagens. Pelo tempo, pela cultura, pela descoberta. Forçava a memória para lembrar dos fatos, das brincadeiras. Inutilmente tentando extravasar...

Camuflava a mente com a quebra da bolsa de Nova Iorque. A crise de 1929. Mas por que lembrar disto em meio a uma crise existencial? Destas que só um grande amor é capaz de provocar... Simples como um capítulo...

No livro de história, a lembrança era ‘O fim das ilusões’. E aquele título ficava bailando, agressivo, dando tapas e mais tapas numa face crédula, alma entregue.

Também beirando os trinta, bem poderia ser o rótulo da vida naquele instante: “e aos 29 com o retorno de saturno, decidi começar a viver...quando você deixou de me amar, aprendi a perdoar e pedir perdão”*.

Ele acreditava, mas não seguia. Nem o amor, nem o sentimento, nem aquela dolorida certeza, nunca dantes sentida, que o perseguia todos os dias, sussurando, “vai”, “vai”, “vai”.

Ele, logo ele, que sempre arriscara, que sempre vivera, pagara para ver... Encontrava-se, agora, amarrado ao medo; antiga mola propulsora... Medo de magoar aquele alguém tão especial, medo de não fazer feliz, medo de não lhe proporcionar o mundo... Medo, medo, medo. Congelado. Congelado. Congelado.

Todos os dias enlouquecia, refletindo, se a maturidade emocional seria, enfim, abdicar de tudo, inclusive de viver um amor, para não modificar a vida de alguém. Ou seria a responsabilidade emocional que enfim chegava??? No fim, achava que se o rio corresse, seria só correnteza e natureza esplêndida. Mas, a ele, competia reclusão, assim pensava...

Enquanto a ‘certeza’ chamava, o medo não deixava declarar. E escapar aos lábios... “Porque os problemas seriam grandes, não tinha sequer o direito de interferir, ou influenciar em prol desta escolha...”, conjecturava.

Ou seria só um reflexo da dificuldade de decisões? Desta vez, era tão sério que a decisão não poderia vir dele, Senhor das Decisões... Em nenhum aspecto. Nem para desertar, nem para enlouquecer no cotidiano não sonhado. Ironicamente lhe cabia parcimômia de sentimentos e omissão...

E assim o personagem seguia. Enganando o coração que o Amor estava ali. Distante. Não concretizado. Mas ali ficaria. Como a infância não perdida, que fica na memória com uma pureza sem igual.

Até que, um dia, ele percebeu que o Amor fora voraz. Em duas pessoas, tinha devorado cada vértice e unido todos os pontos num infinito que virou o sonho de um momento; tudo derretido, mas o ápice não veio. Nem os sonhos vieram, já frustrada qualquer expectativa, mesmo impensada. Total. O fim das ilusões. Maculada, porém, não foi a lembrança... Essa sim, eterna...

“(...)embriaguei, morrendo 29 vezes, estou aprendendo a viver sem você, já que você não me quer mais(...)”*.

*Legião Urbana - Vinte e Nove

25.1.05

Efêmero

O tempo passa. Rápido demais para as palavras, efêmero em sensações. Nem bem o agora chegou e já é ontem. Sem aprender a esperar, mas a espera já retorna em sonhos impensados...

O hoje parece nunca satisfazer o personagem. Um arco-íris derrama oportunidades e explode um agora de frustrações...

Queria um depois de amanhã, sem esquecer o amanhã, sem viver nunca o ontem do que já brilhou...

Mas é preciso escuridão para aprender a luz... Ou para prender a sensação... Luz de sensação ou aprender a prender ou prender a luz...quem vai saber...

O personagem não só é como quer tudo. E aí se divide em múltiplas personalidades... A despeito da frustração de algumas...

20.1.05

Aprendendo a esperar...

Quanto falta de mutualidade no mundo e no nosso próprio entendimento? Você com você mesmo.
Que personagem pode falar se não sabe o quê, tampouco como dizer????
Que personagem pode ter futuro, mesmo sonhar, se não quer se compremeter com escolha alguma??? Covardia do todo. Da normalidade.
Já viu um personagem deprimido com estabilidade feliz???!!!
Este personagem está precisando aprender a falar consigo mesmo. A se ouvir. Até quais vozes quer dirimir ou manifestar...
Na confusão de cores, o personagem está verde. Esperança de amor, confiança. A felicidade que bate à porta do agora... Uma esperança que não quer esfriar...
Deseja o amanhã no hoje....
Então, primeiro, é preciso aprender a esperar...

16.1.05

A vida real dói...

Perdoem este personagem que é tão humano muitas vezes.
Sente e, por isso, quer ser o melhor. Mas sofre.
A perda. A ausência. De fé. De esperança.
E luta para não desacreditar no amor.
Ou deixar de acreditar na esperança de si mesmo.
Ser melhor. Mesmo por caminhos não escolhidos.
Não proteger o indescritível...
Abrir a porta mais vezes... Respirar o meio termo...
A vida real dói...

11.1.05

Personagem inexistente...

Por vezes a gente quer uma palavra. Um gesto. Que escapa da existência. Algo que possa retroceder o tempo e evitar um acidente. Um sofrimento de tantas pessoas. Coisas que não deviam acontecer... Nessas horas, dá mesmo vontade de perguntar a este Deus...

A ‘vida’ pode assim escapar a qualquer momento, afinal, certeza é a morte. E a certeza se esconde sob esta obviedade, alienando nossas mentes no que diz respeito a nossa fragilidade.

A fugacidade de instantes consecutivos. Por vezes, sem nenhum elo além do acaso. Da fatalidade. Tantos “ade” e nenhuma lógica. Por quê??? Adê, adê, adê, vida!!!

Um pedir pela vida. Que sei; por vezes, escapa-se da morte. E aí o momento fica mais incerto, mais eterno. Ganha mais valor... Mas tem de se aprender a conviver com as malditas seqüelas. Mentais ou físicas. Às vezes as duas... Necessário acreditar nisso...

Tristeza é palavra de um personagem inexistente. Que não pode mudar o passado, nem diminuir as conseqüências dele e a tristeza de quem ama. Então? Sofre junto. E calado...

6.1.05

Ver...

E o personagem já não sabe mais por que olhos deve insistir em ver... A escuridão do todo pode, muitas vezes, ser promissora... às vezes, inquietante e angustiante.

Nem bem vestiu casacos de couro ou sobretudos e já sente falta da camiseta, da roupa de banho, do suor escorrendo humanidade. Apego ao velho conhecido momento feliz. Talvez.

O personagem se preocupa com o falar. Mesmo sem dizer. E o que dizemos sem querer, ao tentar manifestar outra idéia, outro sentimento. Os discursos que sustentamos, sem saber, na compreensão do outro...

3.1.05

Ouro de tolos...

Tolo do ser humano. Fica todo o tempo condicionando a felicidade; se eu tiver certeza, eu faço isso, se eu souber, eu vou... Melhor é a dúvida. A maldita dúvida é o que nos move para a frente. Está bem, pode ser para trás também, mas já saiu do lugar e sacudiu letargia existencial...

É bom errar. Ser flagrado amando, assim, idiotamente, sem proteção, sem barreiras. Mesmo num amor não-correspondido... Deixa o coração leve; um amor que flutua, pairando entre “idílico romance” ou altruísmo. Amor só pode gerar amor, ainda que não seja o amor carnal, físico etc.

É, meu personagem aprendeu a dizer e sofre tanto... Porém, o sofrimento reincidente do não ter dito deve ser ainda mais sufocante...

Amor é bom para propagar. Desde os pequenos atos. Um casaco emprestado. Um café que alguém te traz na maior boa vontade. Um bom dia sorridente em plena segunda-feira chuvosa. Um beijo jogado ao vento. Até o cara que te dá passagem no trânsito. O “boa viagem” da menina do pedágio. Já pensou quantas pessoas vão e vêm na vida dela por dia?

Um e-mail de alguém que você não vê faz tempo, mas te encontrou. Alguém que lembra de você por ver um filme que você adora. Meu personagem é tudo isso. Todas estas “boas pessoas”. Cheias de defeitos como todo ser, mas, valorizando cada qualidade...

Se você pode ajudar, se pode amar, por que não????? Que meu personagem sempre possa fazer alguém feliz, porque ficará feliz também...